Rock é Rock Mesmo

E a vanguarda é … Os anos 70!

A cada ano novas vanguardas são inventadas e provam que todas elas vêm do próprio rock, único gênero musical imune a modismos pelo mundo afora. É por isso que são a mesma coisa. Publicado originalmente no Dynamite on line.

Fazia tempo que eu não via o meu amigo Moderninho de Plantão tão embravecido. A rigor, há muito tempo não o encontrava, quando, em plena Rua Treze de Maio, no centro do Rio, o vi passar com sua habitual discrição, portando um par de fones de ouvidos, pelo qual, descobri depois, ele escutava o novo disco da banda (seria duo?) White Stripes, “Elephant”. A princípio ele parecia estar em estado de graça com os acontecimentos mais recentes no rock mundial. E também com o inesperado show (acústico!) que o baterista Nice Man, que já foi do Teenage Fanclub, fez recentemente em plena Nautillus, casa de aluguel que fica no bairro do Catete, outrora sede do governo federal, e de onde Getúlio Vargas saiu da vida e entrou para a história mal ensinada nas escolas brasileiras.

Outro motivo de felicidade de Mr. Modern Man era a audição que ele teve do disco solo de Gordon Gano, músico que toca no Violent Femmes e teve a proeza de lançar um disco solo no qual os convidados são figuras mais respeitadas que ele próprio, o anfitrião da empreitada. Gente como Frank Black, P.J. Harvey e John Cale toparam, há sete anos, fazer parte da trilha sonora de um filme (que por sinal não chegou a ficar pronto) e que foi lançada há pouco. Na versão impressa da Dynamite, com o Linkin Park na capa, tem uma entrevista com a figura.

Mas o motivo de injúria do meu amigo logo se revelou. Ele acabara de sair de um cyber café (moderno, não?) onde, ao acessar um site qualquer, descobriu que o Led Zeppelin liderara, por não sei quantas semanas, as paradas da Billboard. “E ainda por cima com uma coletânea”, resmungava o jovem fã da música independente bretã. Nunca fui um fã ardoroso do Led Zeppelin (nome dado pelo finado baterista do Who), e muito menos sou de discutir com meu amigo Moderninho de Plantão, esse verdadeiro panteão do conhecimento musical moderno, até porquê ele faz parte de um grupo seleto que discute em mão única: sempre fala, jamais escuta. E, honra seja feita, também me incomoda o fato de um disco coletânea estar no topo de uma parada respeitável como a da Billboard, mas não a ponto de sair do sério e compartilhar daquela raiva juvenil semitransmutada.

De qualquer forma, testemunhei mais uma vez, e fazia tempos que eu não tinha uma oportunidade como essa, uma descarga enfurecida contra o rock feito no passado, mais ou menos de 2002 para trás, segundo o que pude captar com uma paciência maior que a de Jó. Isso porque meu amigo Moderninho de Plantão teve que economizar nos impropérios, uma vez que se dirigia para uma sessão para convidados que exibiria a última fita dirigida pela mais nova revelação do cinema romeno, cujo nome sinceramente não me lembro. Eu ainda tentei explicar-lhe que desde a semana passada o Metallica tinha chegado à liderança da Billboard com “St. Anger”, que, ame ou odeie, é, no mínimo, um disco de músicas inéditas, mas não consegui me fazer ouvir. E, a rigor, nem adiantaria nada essa observação. Assim mesmo gostei de ter reencontrado meu amigo vanguarda.

O engraçado, por pura coincidência, é que quando cheguei em casa recebi das mãos do bom e velho Severino, meu polivalente porteiro, zelador, secretário e protocolador geral, um pacote que trazia justamente, entre outras coisas, “Elephant”, o tal último disco do White Stripes que habitava o CD player do meu amigo Moderninho de Plantão em plena Treze de Maio. Colocando o disquinho na vitrola, pude constatar, já nos primeiros acordes do baixo de “Seven Nation Army”, a faixa de abertura, que se tratava de um disco do, imaginem, Led Zeppelin! De início, num impulso, pensei em ver se nos créditos constavam os nomes de Jimmy Page e sua troupe, mas para não parecer implicante para mim mesmo, esperei a seqüência das demais faixas, e assim fui até o final. Meio embasbacado, dei um novo “play” e peguei o encarte para acompanhar as músicas da duplinha Jack e Meg White, bravios torcedores do América, o campeão dos campeões.

Calma. O White Stripes está longe de ser um novo Led Zeppelin, mesmo porquê duas pessoas, até por uma questão matemática, duas pessoas não podem fazer o que quatro faziam. As músicas não são idênticas, não parecem ser covers, não é por aí. O que ocorre é que os irmãos White (porque não Red?) fizeram 14 músicas (nos álbuns anteriores isso não era tão latente) com a mesma estrutura do quarteto de chumbo, os mesmos timbres (guitarra e baixo principalmente) e a mesma sonoridade, resultando num disco de rock de fina estampa, seco, duro, mas absolutamente retrô, no melhor dos sentidos. Ouvindo “Elephant” o que vem à mente do fã de rock são temas usados em “Hair”, imagens tiradas de “The Song Remains The Same”, do festival de Woodstock e toda a atmosfera hippie-mística-visionária que habitou os férteis anos 70, pelo menos antes de a fúria punk mudar o mundo pra valer. É o tipo de disco em que absolutamente todas as músicas parecem que já foram escutadas por anos a fio, como numa coletânea dessas da vida. A existência de “Elephant ratifica a teoria de que, com o perdão da autopromoção, rock é rock mesmo, não tem jeito.”

Eu já deveria estar acostumado, afinal volta e meia vejo contemporâneos do meu amigo Moderninho de Plantão cultuando a vanguarda da vanguarda da vanguarda, e quando vou ver, aquilo é apenas uma outra tendência reciclada. Não sei se isso acontece pela necessidade que mercado musical tem de eleger suas novidades e seus heróis, ou se esses jornalistas adeptos do culto do novo pelo novo levam isso tão a sério a ponto de desconsiderar a própria história do rock. Afinal, o que é novidade hoje será história daqui a trinta anos, assim como acontece hoje com Led Zeppelin, e talvez isso mesmo explique a presença de uma coletânea do grupo no topo das paradas americanas. Resta saber se o White Stripes será lembrado por alguém daqui a todos esses anos. Eu espero que sim, mas pelo meu amigo Moderninho de Plantão e para os jornalistas que escrevem o que ele lê e segue fielmente, acho que não, afinal, até lá outras vanguardas estarão na crista da onda, certo?

O mais pitoresco de toda essa história é o estabelecimento do insólito paradoxo: aquilo que meu amigo Moderninho de Plantão ouvia com prazer em sua caminhada pela cidade e tudo o que ele efusivamente criticava, com duras e agressivas doses de sarcasmo, não passava da mesmíssima coisa, só que ele não sabia. Para ele, anos 70 deve ser (apenas) sinônimo de discoteca, ditadura militar e do filme “Tubarão”. Pelo menos é esse o peixe que ele tem comprado, embrulhado numa singela folha de jornal muito pouca lida antes de ser reutilizada.

Até a próxima, e long live rock’n'roll!!!

Não esqueci: conforme prometido na semana passada, estou disponibilizando a senha que veio no encarte do CD do Metallica. Com ela, dizem, é possível “acessar mais músicas on-line do Metallica”. Se der errado, processem Hetfield e seus asseclas!

Site: www.metallicavault.com
Senha: 3976-CA1A-3234-C94C

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