Cem semanas para que tudo se torne óbvio
A música do White Stripes se sustenta na figura de um guitar hero moderno e contemporâneo. Jack White encara o papel com destreza singular, ainda que recicle o bom e velho rock de Led Zeppelin e dos anos 70.
Meus amigos, sejamos francos. Se uma banda de rock vem tocar aqui, num evento bem divulgado e atrai bom público, ela volta. Somos um excelente público para o rock, embora uma dura realidade mercadológica às vezes teime em nos provar o contrário. Pode não haver rádio, TV, pode não ter gravadora, disco, distribuição e o escambau, que sempre haverá o rock. E nós, enquanto público, somos bons, estamos entre os melhores. E não sou que digo, são as bandas (ok, muitas só fazem média). E repito: os fatos é que falam por si.
O White Stripes. Tocou no Rio, num único show no TIM Festival de 2003. Foi uma banda hypada, preferida entre os novidadeiros, o que é sempre de se desconfiar. Fez um show acima da média, ainda mais se consideramos que, a rigor, não existe banda. Falta, no mínimo, um baixista, e a baterista toca mal e porcamente. A banda convence, sim, pelo poder da guitarra. Eis aonde eu queria chegar: é a guitarra que salva o White Stripes de ser um grupo medíocre. Basta ver o principal hit deles até então. “Seven Nation Army” se sustenta por um riff criativo, cativante, pegajoso. Um riff de guitarra feito por quem sabe fazer um riff de guitarra. A música do grupo americano se sustenta na figura de um guitar hero moderno e contemporâneo. Jack White encara o papel com destreza singular.
O amigo de longa data deve estar estranhando essa conversa, ainda mais vindo quem sempre defendeu ícones da guitarra como Joe Satriani, Tony Iommi, Adrian Smith e Alex Lifeson. Mas não há como negar: Jack White é, sim, o guitar hero dos nossos dias. Reafirmo isso depois de ver e rever o DVD “Under Blackpool Lights”. Porque eu poderia estar enganado com o show de 2003, até pelo clima de empolgação vivido pela platéia de abastados que ali estava. No set list de Jack não tem “intervalo”, “fale com a platéia” ou algo do gênero. O coro come do início ao fim. São oito músicas tocadas direto, antes que ele pare para dar uma respirada ou ajustar isso ou aquilo no equipamento. E todas as suas músicas têm uma sonoridade, um timbre típico dos anos 70, quando se fazia, ainda, rock de verdade. Isso sem falar nos oito covers, que, se roubam espaço de músicas inéditas, mostram exatamente em que fonte a banda, quer dizer, Jack White bebe. (Não existe banda, né?).
E aí se estabelece um paradoxo do qual eu já falei aqui mesmo, há umas cem colunas. Como pode aquele que estou chamando de “guitar hero contemporâneo” sê-lo, se toda a sua música é fincada nos anos 70? Que contemporaneidade seria essa? Primeiro que, vamos e venhamos, o White Stripes já ultrapassou, e muito, a barreira do hype. Está no quinto disco e é, sim, uma das bandas de rock mais salientes dos nossos tempos. Depois, que Jack é o exemplo cristalino de que rock é rock mesmo. Outro dia, quem diria, vi o simpático Lúcio Ribeiro cravar o seguinte comentário, sobre a primeira música do novo disco do White Stripes: “um rápido Led Zeppelin descontrolado e cantado em falsete, de dois minutos e meio”. De outro lado ainda vejo o grande Tiago Velasco, repórter dos bons, e que vem de um estágio de operário em Nova Iorque, resistir ao óbvio: o White Stripes recicla todo o rock dos anos 70, e é, sim, Led Zeppelin puro. Cem semanas resolveram a parada para um, mas não foram suficientes para outro. Para meu amigo Moderninho de Plantão, vejam vocês, tudo foi muito mais rápido. Bastou ele saber que o duo tocaria no Brasil, em 2003, que já partiu para outra. Para ele, hoje, Franz Ferdinand é medalhão e Bloc Party tá passadinho.
Falo isso tudo porque Jack e sua irmã feiosa já estão no Brasil, e tocam hoje em Manaus (coisa de americano que quer conhecer a “rain forest” de perto) e no Rio e em São Paulo no final de semana. Em Sampa, entretanto, o show do W.A.S.P., no mesmo sábado, me parece uma opção bem mais interessante. Quem for esperto e tiver grana, vai nos dois: sexta, Rio, White Stripes; sábado, São Paulo, Blackie Lawless e companhia. Se a procura para os ingressos no Rio, segundo pude apurar, é grande, imagine em São Paulo, onde o show, podemos dizer, é inédito…
Não meus amigos, eu ainda não ouvi o disco novo, nem descobri qual será o set list dos shows. A única coisa que sei é que ele se chama “Get Behind Me Satan”, e que deram um banho de loja em Meg, o que me faz querer retirar o adjetivo ali de cima. Será que ela aprendeu a tocar? Fico imaginando, também, se Jack White fizesse parte de uma banda de verdade. Imaginem: baixo, bateria, teclados, naipe de metais, guitarra base e ele, soberano, descascando suas guitarras sujas… Ou, por outra, numa daquelas reuniões de Jimmy Page e Robert Plant, como aquele espetacular show do Hollywood Rock de 96, só que, além de Michael Lee na bateria, com Jack numa segunda guitarra. Meus amigos, eu vi (e tenho a foto) Jimmy Page babando sobre a guitarra no palco. Acho que Jack ficaria bem à vontade nesse contexto.
Mas o mundo maravilhoso de Marcos Bragatto talvez não resistiria à abóbora de Pedro Malasartes na fábula de Monteiro Lobato. E o que estamos prestes a ver, nesse final de semana, vai além do show de dois anos atrás e do excelente DVD ao qual me referi. Supera comentários, novidadeiros, operários nova-iorquinos, moderninhos, Led Zepelins e tudo o mais. Porque rock, não custa reafirmar, rock é rock mesmo.
Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!
Tags desse texto: Led Zeppelin, White Stripes