Foo Fighters & Queens Of The Stone Age: poucas semelhanças e grandes diferenças
Texto que questionava o oba-oba da mídia em cima da participação de Dave Grohl no terceiro disco do Queens Of The Stone Age. “Songs For The Deaf” é também analisado. Publicado na Dynamite número 60, de dezembro de 2002.
O que passou pela cabeça de Dave Grohl quando resolveu ir para o deserto sonoro doidão do Queens Of The Stone Age e gravar o último disco junto com a banda ninguém sabe. Mas as suspeitas são muitas, é só a gente pensar um pouco. Primeiro de tudo, como foi notado a olhos vistos durante o último Rock In Rio, o negócio de Grohl, no Foo Fighters, no Nirvana, ou por onde quer que ele vá, é farra, diversão. O cara trabalha, mas se não for divertido, não vale a pena.
Depois – e não há fã que consiga provar o contrário – Dave Grohl nunca soube tocar guitarra direito, canta mal e compõe apenas mais ou menos, o que, sabemos, é suficiente pra ter emplacado quase sozinho (já que a formação do Foo Fighters é sempre ele e mais três) quatro discos legais. Não fosse Grohl um ex-Nirvana, e, portanto, segundo a mídia, um grande candidato a sucessor da banda de Kurt Cobain, o Foo Fighters estaria à margem do sucesso que tem, navegando em meio a uma série de bandas que o pessoal da vanguarda chama de “novo rock”. Refiro-me a Strokes, White Stripes, Hives e similares.
Conclui-se, assim, que o Foo Fighters é uma banda atípica e que também faz muita gente desembolsar uns trocados para comprar seus discos graças ao currículo que Dave Grohl, embora agora tocando guitarra e cantando. Mas convenhamos, Grohl é uma figuraça, tem carisma e sabe conduzir sua banda muito bem, muito embora só agora consegue repetir em dois discos a mesma formação, fato inédito até para o Felipão na epopéia do penta. Mas no fundo, no fundo, ele é apenas um baterista, e vamos e venhamos, nenhum baterista muda a sonoridade de qualquer que seja a banda, ele é apenas um elemento de composição, contribui para o chamado “conjunto da obra”.
Até o monstro que é Neil Peart, como pudemos ver recentemente na turnê do Rush pelo Brasil, pode ir tocar em outra banda, que esse simples fato não vai mudar em nada o trabalho dessa banda. Se Peart tivesse gravado o último disco com o Queens Of The Stone Age, a banda de Nick Oliveri & cia iria soar como o Rush? Claro que não, porque até um mestre como Peart é só um baterista.
Pois bem, bastou Dave Grohl gravar o último disco do QOTSA, “Songs For The Deaf”, que os moderninhos de plantão passaram a atribuir o resultado do excelente, diga-se de passagem, disco, à participação de um simples… Baterista. Deve ser realmente duro para essa turma da vanguarda aturar a existência de uma banda como o Queens Of The Stone Age. Um grupo que nunca foi indie, é americano, mas não é nu-metal (o que dificulta as matérias clichês), jamais buscou flertes com sonoridades do tipo “modernas”, sempre rejeitou a mal fadada música eletrônica e o hip hop, e nunca ousou ser politicamente correto, muito pelo contrário.
Como todo mundo sabe, a banda nasceu das cinzas do Kyuss, grupo que no início da década de 90 fazia um som lento, pesado e elaborado, muito identificado com as paragens desérticas do meio oeste americano. Ao se falar de Kyuss naquela época, em que o grunge disputava palmo a palmo o espaço na mídia com o metal, o grupo era taxado de excêntrico, “progressivo”, bizarro até. Nessa época, moderninhos começavam a freqüentar raves e a endeusar o Sonic Youth.
Mas a semente ficou e os músicos do Kyuss, depois de finada a banda, iriam se espalhar pela América (e a música deles pelo mundo) como uma verdadeira praga, desaguando no stoner rock (o rock de doidão), solenemente afastado pela crônica musical, sobretudo no Brasil. Quem hoje consultar a página do QOTSA na Internet, vai poder verificar uma “árvore genealógica” de fazer inveja a grupos com mais de trinta anos, como o Deep Purple, por exemplo. Musicalmente promíscuo, o Kyuss, seus integrantes e descendentes, se envolveram tanto entre si, que nessa genealogia aparecem grandes nomes do stoner rock, base para o QOTSA que conhecemos hoje, do excelente “Songs For The Deaf”, literalmente, músicas para surdos. Unida, Monster Magnet, Fu Manchu, Mondo Generator e a instrumental Karma To Burn são alguns exemplos. Nenhum desses nomes soa familiar? Que tal Nirvana?
Depois de uma longa incubação e muita experimentação, o grupo emerge, como um herói épico, no meio de um repetitivo e viciado mercado musical. Antes de lançar “Songs For The Deaf”, o QOTSA colocou outro dois bons discos no mercado, sobretudo “R”, o primeiro a sair no Brasil e que foi a base do belo show que o grupo fez no Rock In Rio, em janeiro de 2001 e que depois repetiu em agosto do mesmo ano, no Reading Festival. Músicas como “Feel Good Hit Of The Sumer” foram só o prenúncio do que aconteceria depois.
Que me perdoe a troupe heavy metal, mas muito antes de o metal ser “from hell”, o rock já o era. E sem precisar de muito visual para tanto, nada de cruzes, casacos de couro ou algo que o valha. Nada disso é mais “do mal” do que capa e encartes de disco vermelhos e com um tri, perdão, um “bidente” enviesado, matador. Sem falar no painel de um carango muito velho, tipo um dojão das antigas e um deserto pela frente, num cenário tipicamente stoner rock, e no seminal espermatozóide musical do “Q”, símbolo da banda. Os outros ingredientes foram usados no estúdio e Grohl sabe bem disso.
Mas e o disco e o som, isso é bom? Feche os olhos por um momento, imagine que você está cruzando os desertos americanos rumo ao México, num típico road movie matador, como “Assassinos Por Natureza”, “Easy Rider” ou “Kalifornia”. O rádio, ligado durante a viagem, vai tocando uma série de músicas intensas, mas um dos passageiros a bordo da aventura mexe o tempo todo no dial, mudando sempre a estação sintonizada. Imagine algumas cervejas incrivelmente geladas, mais uns elementos, digamos, interessantes, e temos aí “Songs For The Deaf”.
Se preferir, abra os olhos (em vários sentidos) e compre logo a sua cópia. Afora as intervenções dos locutores de rádio, interessantes, mas cansativas, porém não comprometedoras, o disco é simplesmente perfeito. A primeira coisa que se ouve é uma pessoa entrando no carro, sintonizando uma rádio e iniciando a viagem, na música “You Think I Ain’t Worth a Dollar, But I Feel Like a Milionaire”, que sintetiza bem o que é o QOTSA. Vozes desesperadas, guitarras viajando, um baixo firme e seco, e, ok, uma bela marcação de bateria. Uma vez apresentado à viagem, o disco flui tão intenso e imperceptível, que se não fossem as intervenções dos radialistas, bateria como o primeiro gole de chope gelado depois de um calorento dia de trabalho.
Outros destaques são “No One Knows” (que tem um clipe) e “The Sky Is Fallen’”. Mas nada superas as sublimes “Another Love Song” e “Go With The Flow”, sobretudo essa, o melhor rrrrock que se fez nos últimos tempos. Mas a grande vantagem que o QOTSA tem, está, curiosamente, numa grande contradição. Ao mesmo tempo em que o grupo é o precursor da cena da cena stoner mundial, hoje já está anos luz à frente daquilo que ajudou a criar. Porque os rapazes simplesmente se recusaram a ficar parados e, no ritmo deles, foram experimentando de tudo, entre sons e outras substâncias, até chegar a uma crueza que pode até ser considerada simplória, mas da qual o rock jamais pode se abster, senão deixa de sê-lo para virar aquilo que andam chamando por aí de vanguarda. Coisas como Radiohead, Coldplay e outras mesmices. Porque o QOTSA faz rock, sim. Rock moderno sem ser moderninho.
Voltando ao Foo Fighters e ao nosso simpático Dave Grohl, ele nada tem a ver com essa história toda. Além de ser um bom baterista, é líder de uma boa banda, merecedora de seu espaço na mídia. Mas que precisa, volta e meia, mostrar o currículo de ex-Nirvana. Sorte a dele, afinal é também um cara muito gente boa e merece o seu quinhão do espólio de Kurt Cobain.
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