Guitarras do Walverdes põem o Ruído abaixo
Cobertura dos shows de uma das noites do Ruído Festival de 2004. Publicado na Dynamite On Line. Foto: Marcos Bragatto.
Considerada a “noite gaúcha” do Ruído Festival, já que dois terços das bandas programadas era do Rio Grande do Sul, a segunda rodada do evento, que acontece no Ballroom, no Rio de Janeiro, teve como destaque absoluto o trio Walverdes, que impiedosamente torturou os ouvidos mais sensíveis com generosas doses de guitarras distorcidas em volume máximo.
A noite começou com o Viana Moog, de São Leopoldo do Sul, que apesar do nome infeliz mostrou um show interessante, com destaque para a performance do vocalista Cidade. Dono do palco, ele sabe do potencial que tem, e mesmo tendo citado o nome de Humberto Effe (vocalista do grupo de rock dos anos 80 Picassos Falsos) para conquistar a platéia, recebendo como resposta um silêncio retumbante, conseguiu o respeito do público que ainda se formava. O som da banda tem guitarras viajantes e merece ser ainda melhor desenvolvido, mas valeu como abertura. Em seguida o Tom Bloch mostrou o resultado de ter mais estrada, e o vocalista Pedro Veríssimo, trajando um impagável conjuntinho, pode mostrar sua força poética em músicas muito boas, sempre com destaque para as intervenções do tecladista Edu Bisogno. Ás vezes, parecia até que um dos guitarristas está sobrando na banda, dada à submissão das seis cordas em relação às teclas. Alternando bons momentos, como em “Pela Ciência” e no hit “Nessa Casa”, com outros nem tanto, que tinha músicas com partes lentas e entediantes, o Tom Bloch acabou saindo com um saldo positivo.
A casa estava cheia, a banda era a única representante carioca, e prestes a lançar o primeiro álbum, estava literalmente em ponto de bala. Mas algo saiu errado, e o Leela não repetiu as apresentações empolgantes de outras ocasiões. Fosse pelo som mal equalizado (que fazia desaparecer os vocais e enfatizava o baixo), por erros que denunciavam pouco entrosamento (numa banda cuja obsessão é o palco) ou pelo repertório que no meio incluía músicas mais lentas e ainda continha uma cover para “Rádio Blá”, famosa na voz de Lobão, o fato é que o Leela não se acertou. E o público, composto em grande parte por conterrâneos que vieram na carona do ônibus das bandas gaúchas, recebeu o quarteto com certa frieza, que, infelizmente, não conseguiu ser quebrada durante toda a apresentação.
O Ludov, de São Paulo, que um dia já foi Maybees e sabiamente manteve a simpática e carismática vocalista Vanessa Krongold, que ri à toa o tempo todo, retomou a presença de palco e a participação do público com muita competência. A banda tocou músicas de seu EP de estréia, “Dois a Rodar”, e ainda outras novas que mostraram potencial, exceto quando um flerte exagerado com a mpb superou os limites do agradável rock do grupo. A grande atração do show, entretanto, foi o cover (de novo) para “Roam”, do B 52’s, cantado lindamente pelo trio ternura, formado às pressas por Vanessa, Bianca (Leela) e Grazi (Wonkavision). Deslumbre total.
E aí entrou o próprio Wonkavision, destaque daquilo que muitos chamam de power pop. De cara, se percebe que a banda precisa urgentemente de um guitarrista de verdade, que deixe só as bases para Will, que também canta. E que Grazi e Manu, respectivamente baixista e tecladista, cantam muito mal, a ponto de comprometer a banda como um todo. Mas o som de mundinho cor de rosa e feliz que o grupo pratica encanta geral (lembram dos fãs gaúchos que vieram junto, no ônibus?), com muitos lalalás e tchururús. A cover (sim, de novo) que eles fizeram para a sensacional “Go With The Flow”, do Queens Of The Stone Age, sem guitarra, foi digna de receber voz de prisão por parte de um imaginário “Ministério do Rock”.
“Da noite mais escura surge o amanhecer”, cantava Malu Viana há mais de duas décadas. E foi isso que aconteceu quando o Walverdes apareceu no palco do Ballruim. Súbito, praticamente todas as luzes, tímidas durante toda a noite, se acenderam, e se recusaram a economizar lumes durante todo o set da banda, mesmo após os insistentes pedidos dos músicos. Estava claro, como o infame trocadilho, que seria uma noite iluminada. Porque um simples trio decidiu, ainda que com um set resolvido na hora, passo a passo, detonar o público com músicas recheadas de guitarras raivosas e distorcidas ao extremo, riffs cativantes e, assaz redundante, arrebatadores. Note que a expressão “guitarras” aparece apesar de a banda ter apenas um guitarrista, dada a condição plural que na qual o instrumento, a mais importante invenção do século vinte, foi tocado.
Os três incautos (Gustavo, Marcos e Patrick) dão sentido à expressão “muralhas de guitarras” e atualizam o som pesado praticado por um outro trio, o Cream, pelos Stooges, pelo quase jazz do Black Sabbath e pelo grunge mais tosco de Seattle, sem contar o flerte escancarado com o stoner rock (aqui sim com autenticidade), apresentando novos caminhos para o rock barulhento e bem tocado. Músicas como a excelente “Seja Mais Certo”, “Anti Controle”, “Teu Amigo”, que acabou citando o juiz Siro Darlan, famoso por querer vedar o rock justamente para a juventude, e “Câncer”, resumiram a modernidade de um som intenso, pesado, sujo e, sim, técnico. O rock, enfim.
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