Matanza lança disco ao vivo pelo ressuscitado projeto ‘MTV Apresenta’ e se afirma como grande resistência à choradeira emo
“Com pé na porta e soco na cara”, grupo carioca segue cartilha politicamente incorreta e consegue se estabelecer num mercado potencialmente careta. Fotos: Divulgação/Deckdisc.
No cerne da banda, a dupla Jimmy London (vocal), uma espécie de irlandês gigante, e Marco Donida (guitarra) acrescentaram à música letras que são verdadeiras crônicas do velho oeste, falando de gente que sai de casa disposta a beber e brigar, criando uma temática politicamente incorreta difícil de se imaginar num mundo melindrado por conceitos certinhos e, no fim das contas, chato pra cacete. Além de excelente compositor e letrista, Donida ainda é desenhista de mão cheia, responsável por um trabalho gráfico personalizado que fecha um “conjunto da obra” difícil de se encontrar em qualquer outro grupo contemporâneo.
Como se não bastasse, o Matanza, em meio a um rock nacional dominado por emos e afins, acabou se transformando num ícone de resistência do hardcore de verdade e – surpresa - vem conquistando cada vez mais espaço no mercado do rock nacional. Um verdadeiro prêmio para quem um dia se negou a fazer “música para toca em rádio”, o que, atualmente, pode ser sinônimo – de novo – de emocore.
O Matanza, atualmente completado pelo baixista China e pelo batera Jonas, já lançou três discos autorais (“Santa Madre Cassino”, em 2002; “Música Para Beber e Brigar”, no ano seguinte; e “A Arte do Insulto”, em 2006); um em homenagem ao ídolo deles (“To Hell With Johnny Cash”, em 2005); e, agora, um ao vivo, da renascida série “MTV Apresenta”. Conversamos com Donida, um arraigado fá de metal, por e-mail, que falou sobre o momento atual da banda. Mas postamos, lá no “Fazendo História”, um entrevistão com Jimmy, publicado em julho do ano passado. Divirtam-se. “Com pé na porta e soco na cara”, claro.
Rock em Geral: Esse DVD ao vivo era para ter saído antes, mas a MTV não quis. O que você acha que fez a emissora mudar de idéia e lançá-lo agora?
Donida: Na verdade, há três anos, quando íamos filmar aquele show para a MTV, o China sofreu um acidente de carro e quebrou a mão. O projeto ficou para o ano seguinte, mas a série “MTV Apresenta” acabou saindo da grade da emissora.
REG: E agora, o projeto voltou? A informação que eu tinha é que a emissora não acreditava na banda, e passou a acreditar…
Donida: O registro desse momento da nossa carreira se fez mais importante do que o fato de não fazermos o perfil da emissora. É um projeto que se justifica por si só e por isso foi interessante para todo mundo.
REG: O Jimmy disse, numa entrevista anterior, que a intenção era gravar o DVD em várias partes, pegando várias cidades. Por que, no final das contas, vocês ficaram com São Paulo e o Hangar 110?
Donida: Nós tínhamos a opção de gravar vários shows num esquema baixo-orçamento ou gravar um só, bem produzido. A parceria que temos com o Marcão, do Hangar, também ajudou muito nessa escolha, porque nos sentimos absolutamente à vontade lá e confiantes de que daria tudo certo.
REG: Esse show gravado para o DVD é o show “padrão” do Matanza, ou vocês prepararam algo diferente por causa da gravação?
Donida: Esse show foi a reunião das melhores idéias de repertório que tivemos ao longo da turnê do “A Arte do Insulto”, mas foi basicamente um bom e velho show do Matanza: sem convidados, sem bis, sem nada.
REG: Os shows que vocês estão fazendo, a partir de agora, são idênticos ao desse CD/DVD?
Donida: Já estamos com um novo set list. No entanto, costumamos tocar quase 30 músicas, e isso é bem perto de tudo o que temos.
REG: Vocês já devem ter músicas novas. Por que não colocaram nenhuma nesse disco ao vivo?
Donida: Não temos nenhuma música nova. Até ficarem prontas, músicas novas dão muito trabalho e estamos com muita preguiça.
REG: Por que nenhuma música do “To Hell With Johnny Cash” entrou no DVD?
Donida: Por questões burocráticas que envolvem editoras, direitos, contratos e tudo isso que, infelizmente, atrasaria demais o projeto.
REG: O Matanza hoje pode ser chamada de uma banda grande? Vocês estão conseguindo viver do Matanza?
Donida: Eu acho que o Matanza é uma referência para o que se estabeleceu, hoje, como “mercado médio”. Não somos grandes para tocarmos em casas para mais de mil pessoas, nem independentes que pagam para tocar no underground. Isso, creio eu, se deve ao surgimento de uma série de casas de médio porte, com capacidade para 500 pessoas, que permite um evento com uma boa estrutura, sem que ninguém precise trabalhar de graça. Não é muito, mas é bem digno.
REG: A tendência é o Matanza superar esse “teto” de 500 pessoas, ou para vocês estar no “mercado médio” já é o suficiente?
Donida: Mercado grande é para quem é grande de verdade. Nosso segmento é muito específico e, nem que queiramos muito, o Matanza será tema de novela ou tocará no “Big Brother”. Preferimos um fã real a mil de seguidores de modas.
Donida: Não acho que não faça muita diferença para nós. Não acredito que o público que assiste MTV compareça ao show do Matanza. O trabalho do Jimmy como apresentador é um e na banda é outro. O público do Matanza é muito variado. Basicamente, são “camisas-preta” bebedores de cerveja, mas dividem espaço com médicos, advogados, galera de moto-clube, jogadores de rúgbi. Público MTV é essa molecada franjinha que é fã do NX Zero e da Pitty, e que tem medo de ir ao nosso show.
REG: Por que vocês trocaram de baterista (Fausto por Jonas)?
Donida: A saída do Fausto se deveu à incompatibilidade de agendas. O Matanza estava num momento que exigia prioridade absoluta de todos, o que tornou inviável a presença dele na banda.
REG: Você vê futuro no country-hardcore, ou esse tipo de música é limitado por si só?
Donida: É realmente legal ver como um country-hardcore funciona bem ao vivo e isso nos inspira a continuar explorando esse estilo. Mas limitado, ele é, como qualquer outro.
REG: No segundo disco havia referências ao heavy metal que não foram encontradas no quarto. Vocês não gostaram disso no som do Matanza?
Donida: O “A Arte do Insulto” é um disco mesmo mais amplo, no entanto, “Ressaca Sem Fim” só não é mais thrash metal porque o Jimmy canta, ao invés de gritar… A introdução de “Matarei”, no DVD, é uma homenagem ao Marduk (“Dreams of Blood and Iron”). Abrimos vários shows com o tema de “Freezing Moon”, do Mayhem. O Matanza nunca se rendeu tanto ao metal como nesses últimos tempos. Hail the hordes!
REG: Sobre as letras, há sempre o que falar dentro da temática do Matanza ou esses temas também se esgotam?
Donida: Temas se esgotam mesmo e soluções repetidas são muito feias, por isso já começamos a falar desse universo temático de uma forma mais abstrata, abordando conceitos de sarcasmo e cinismo, para justamente não fundamentar as letras necessariamente em substantivos.
REG: Vocês são acusados de serem politicamente incorretos. Já sofreram preconceitos ou represálias por causa disso?
Donida: Nunca tivemos nenhum problema com isso. Ninguém tá nem aí pra nada, hoje em dia.
REG: A cena do hardcore hoje é majoritariamente representada por bandas emos. Você acha que o Matanza e essa verve “pé na porta e soco na cara” representa uma alternativa a isso?
Donida: Acho que a cena pop é dominada por bandas emo, o que não tem nada a ver com o hardcore. Apesar de termos inventado essa de country-hardcore, nunca conseguimos nos enquadrar em formato nenhum. Acho tudo coexiste, alguma coisa se mistura, mas nada interfere necessariamente.
REG: Essas histórias contadas nas letras do Matanza são reais ou é tudo ficção?
Donida: Certa vez perguntaram ao Gilbert Sheldon (cartunista americano) se ele tinha se baseado em alguém pra criar os “Freak Brothers”. Ele respondeu que se alguém fizer em uma semana o que um personagem de quadrinhos faz em uma página, não vai sobrar o suficiente para um enterro católico.
REG: Você faz quase todas as letras e músicas, e ainda é o autor dos projetos gráficos dos CDs do Matanza. Você concebe isso tudo como sendo uma coisa só ou vai juntado peças até chegar no resultado final?
Donida: Nunca tinha pensado nisso, mas acho que segue uma ordem, sim. Em primeiro vem a música, e ela tem que funcionar no show. Música que só funciona no estúdio é uma merda. Depois, precisa de uma letra que seja coerente com o astral da música, e por fim, uma imagem que seja coerente com o que sugere a letra.
REG: A revista em quadrinhos do Matanza teve boa saída/aceitação?
Donida: Foi muito legal. Revistas em quadrinhos, assim impressas, tem muitos apreciadores e se tornou mais do que um souvenir da banda. Muita gente que nem é fã de Matanza curtiu o projeto e está esperando o próximo número.
REG: Abrir para o Motörhead foi o ápice para o Matanza?
Donida: Ápice foi colocarmos 900 pessoas que pagaram pra nos assistir no show de lançamento do DVD em São Paulo, 19 de abril. As 3 mil que foram assistir o Motörhead não estavam lá pelo Matanza. Para nós, valeu só pela bagunça.
REG: Quanto ao próximo disco, o que vocês pretendem? Já há músicas novas e previsão de lançamento?
Donida: Não temos nada ainda. Acabamos de lançar esse DVD e até o final do ano, o Matanza estará na estrada. Eu queria fazer um tributo ao Darkthrone, como fizemos com o Johnny Cash, mas não sei se vão topar…
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