Cachorro Grande
Cinema
(Deckdisc)
Num mundo onde qualquer mortal grava um disco no próprio quarto, pode parecer que o sistema de gravação não faz mais diferença. Mas faz, sim, e o fato de os rapazes do Cachorro Grande terem partido para um grande e tradicional estúdio em Porto Alegre, depois de duas experiências como banda absolutamente underground e outras duas num estúdio moderno, no Rio, fez toda a diferença. Ou, por outra, contribui para um momento em que a banda desencanou das expectativas sobre si própria (deles e de todos ao redor) para fazer só o que desse na telha. Ou ainda incluir coisas que sempre quiseram fazer, mas que, por uma ou outra razão, ficava pra depois.
O resultado é um álbum que prima pelos desencontros de uma experimentação calculada, mas nem sempre previsível. A omissão das informações quanto instrumentos ou recursos utilizados em estúdios contribuem para que esses experimentos não sejam de fato decifrados, e nem sempre é preciso que isso aconteça. Uma simples audição, por vezes, é o suficiente para sacar que “Amanhã” é uma típica lentinha típica do Cachorro Grande, e que “Dance Agora”, a exemplo de “Desentoa”, do disco “Pista Livre” (2005), é um dance à Stones anos 70, turbinada por um riff dos bons no refrão. A letra é uma espécie de esporro do paizão Beto Bruno na filha adolescente que não sai da frente da tela do computador. É o rock educando ele próprio.
Coube mais do procedimento “olhar para si próprio” na boa “A Alegria Voltou”, que traz o batera Gabriel Azambuja nos vocais e um falatório dos diabos ao fundo. O recurso foi tão utilizado aqui e em todo o disco que parecia sonoplastia de cinema, daí o título do CD. A linha de baixo de “Hora do Brasil”, se remete ao criativo Adam Clayton, fornece mais elementos para a salada muito bem embasada pelas teclas de Pedro Pelotas, ou escondida na produção em si. “Por Onde Vou”, espécie de “patinho feio” do repertório, é outra que contribui com sua dose de estranhamento, ao passo que “Ela Disse”, embora também seja marginal disco, sintetiza de algum modo a história do Cachorro Grande. Já “Luz” se finca num riff de guitarra dos mais inspirados, com um final à Mutantes, e “Eileen” é uma peça psicodélica à Beatles pós maryjuana.
Como num sobe e desce entre sonoridades bem diferentes, o disco soa desencontrado de si próprio, sem unidade, muito embora cada música guarde clara identidade com o som que estabeleceu o Cachorro Grande no mercado. Isso porque pode ter faltado um alinhave para dar corpo ao repertório, ou, de outro lado, era a intenção do experiente quinteto não buscar tal solução de amarração. Em tempos em que o álbum está cada vez mais decadente, pode ter sido essa a saída acidental sugerida nesse “Cinema”. Difícil é imaginar o que virá depois, mas quem se importa com isso?
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