‘Cena’, agora, parte de dentro do computador
Mais uma constatação do óbvio: as revistas de rock acabaram, as rádios rock acabaram e só resta a internet pra gente se movimentar
Meus amigos, o tempo passa, o tempo voa e eu sou obrigado a dizer, de novo, que me rendo. Sim, não faz nem um mês que, ao ouvir a boa e velha música do “Rainbow”, optei por esse viés para destrinchar uma coluna sobre o amadurecimento repentino do Arctic Monkeys, a custa do grande Josh Homme. Pois saibam que “I Surrender” já foi devidamente baixada e acrescentada às músicas que tocam aqui no meu HD. Sim, porque agora música é desmaterializada e fica aqui dentro do PC. Mas a minha rendição hoje é outra, e o viés, também.
Vejam vocês que no último sábado fui ao Circo Voador para ver um show da banda Friendly Fires. Quem? Pergunta o leitor. No que eu respondo, com ares de sabe tudo: Friendly Fires, oras, uma dessas novas bandinhas britânicas que começam a ser hypadas a torto e a direito, a ponto de um jornal aqui do Rio publicar a declaração de um dos produtores dando conta de que iríamos ver o show da próxima grande sensação do rock inglês, só que antes de ela se tornar essa grande sensação do rock inglês. Cool. Ocorre que o evento tinha outro nome, chama-se Popload e foi bolado e organizado por Lúcio Ribeiro, jornalista e colunista de longa data, notório pelo jeito britânico de um jornalista pop ser. Ou seja, afeito a hypes e a textos novidadeiros.
Mas Lúcio fez sua trajetória, arrebanha leitores e foi assim que conseguiu colocar 1100 pessoas sob a lona do Circo, para ver uma banda que poucos conheciam – e os que conheciam conheceram através dele -, com dois grupos de abertura absolutamente estranhos a todos, numa cidade muitas vezes condenada a ser
o túmulo do rock justamente pelo povo de além Dutra, de onde Lúcio é originário. Arrisco dizer que, nesse contexto, o nome que atraiu mais gente para o Circo Voador não foi o do artista a, b, ou c, mas o do próprio Lúcio, que, claro, estava lá em carne e osso.
Ao mesmo tempo em que matutava o conteúdo desse texto, recebo a notícia de que o documentário “Música de Trabalho”, de Daniel Dias, lançado pela Monstro no bom e velho VHS, está disponível, na íntegra, no youtube – aliás, o que não está lá? No filme, o diretor vai atrás e bandas, músicos, produtores e jornalistas, a fim de entender como se processa o rock independente no Brasil, ao menos até, pelo visto, o ano de 2003, quando foi realizado. Entre as bandas estão muitas que acabaram e outras que persistem, e entre os jornalistas está… Lúcio Ribeiro.
Cito essa passagem para registrar que foi ali que ouvi do dono da Popload a frase que guardei para sempre: “não dá mais para ficar esperando a sacolinha da gravadora chegar”. Ele se referia, no filme, que era preciso ir atrás da informação, descobrir bandas novas usando as novas ferramentas oferecidas pela internet, em vez de ficar esperando a informação chegar até você. Parece óbvio hoje? Talvez não fosse há seis anos. E foi usando a internet que Lúcio, embora publique na Folha em outros veículos impressos, construiu a reputação que leva, repito, 1100 pessoas para assistir a bandas pouco ou nada conhecidas, por sua recomendação.
Mas disse que Lúcio estava no Circo, o horário já avançava e temíamos um fracasso de público, no que perguntei se ele, no lugar de colocar como abertura duas bandas de fora da cidade, não pensou em escalar uma local, para fortalecer a bilheteria. A resposta? Não, porque não há preocupação geográfica em eventos desse tipo, que são sustentados pela internet. Captaram? Então entenda por internet o blog e a coluna que ele há anos publica semanalmente ou com periodicidade variável. É isso que eu chamo de falta de fronteiras na web, não aquela falácia da propaganda da operadora de telefonia que desistiu de bancar o desvario moderninho a partir desse ano.
Eis o que eu queria dizer. O fato de um jornalista que tem uma coluna virtual fazer com que muitas pessoas passem a gostar de bandas, e depois fazer essas bandas tocarem para essas pessoas, com sucesso, traz de volta o antigo conceito de “cena” - palavrinha ruim, mas necessária. A tal “cena”, hoje, é formada por bandas, locais para shows e mídia, nesse caso enfaticamente a internet, no lugar que antes eram dos fanzines, revistas e até rádios especializadas. Agora tá tudo dentro do seu computador e o negócio é botar a bola pra frente.
Achou ruim a notícia? Pois essa é a boa. A ruim é que as revistas de rock acabaram, as rádios rock acabaram e só resta a internet pra gente se movimentar. Sei que não estou dizendo nenhuma novidade (senão não estaria com este site há quaro anos), mas, mais uma vez, a constatação do óbvio. Um óbvio com jeito de refletor de Maracanã, que de tanto iluminar, às vezes cega. Por isso não é qualquer um que já sacou isso, ainda mais num a época em que as coisas mudam mais do que permanecem, fazendo cada verdade absoluta durar pouquíssimo tempo. Quem não se tocar, se bobear, já está liquidado.
Até a próxima, e long live rock’n’roll!!!
Tags desse texto: Friendly Fires, indústria fonográfica, internet
A história é a seguinte. Nos anos 90 as bandas eram tão porcaria, que as pessoas tinham que “buscar” alguém do nada. Daí nos anos 00 tudo que apareceu as pessoas ficaram falando “encontrei”. Só que nenhuma delas são relevantes quanto um classic rock. Mas alguns encontraram e se masturbam com elas. Até hoje não vi graça em Strokes, Arctic Monkeys, Killers…