O Homem Baile

Parada certa

Móveis Coloniais de Acaju volta a brilhar na primeira noite do Grito Rock carioca, ontem no Circo Voador; público disposto a aplaudir sustenta performance dos grupos mais novos. Fotos: Luciano Oliveira/Divulgação.

A linha de frente do Móveis Colonias de Acaju: pronta para detonar o fiel público no Circo Voador

A linha de frente do Móveis Colonias de Acaju: pronta para detonar o fiel público no Circo Voador

A produção do Grito Rock carioca ousou e apostou no óbvio ao mesmo tempo. Ao retirar o festival de lugares menores e levar para o grande palco do rock carioca em todos os tempos, não teve medo de arriscar; em compensação, chamou o Móveis Coloniais de Acaju para encerrar a primeira noite do evento, ontem, no Circo Voador. Não há hoje, seguramente, maior barbada em tempos de comparecimento de público de uma banda independente. E o show do noneto, potencializado pelo astral do Circo, inscreveu o festival em mais uma noite memorável sob os Arcos da Lapa.

Show do Móveis é parada certa porque todo o público que vai lá pra ver a banda tocar sabe exatamente o quer vai acontecer. E acontece mesmo, não tem dinheiro de volta, não tem PROCON, não tem reclamação de que não tocou essa ou exagerou naquela. O grupo já entra no palco quicando, literalmente, e segue o roteiro à risca: é um levantar de braço pra cá, palmas pra lá, um corinho aqui, uma roda aberta no meio do salão lotado… tudo que o mestre faz em cima do palco, os súditos repetem ali embaixo. Até colocar todo mundo sentado no chão os caras conseguem, sem a menor cerimônia. O melhor é que fazem isso com uma animação dos diabos. Seja solando seus instrumentos – da guitarra à bateria, passando pelo trombone, todos têm sua vez – ou correndo como alucinados de um lado a outro, os nove ensandecidos fazem tudo com uma animação de torcida organizada em goleada no Fla-Flu.

A força dos metais que não ficam escondidos

A força dos metais que não ficam escondidos

Talvez esteja na verdade o segredo do Móveis, mas não se pode destacar um repertório minimamente atraente, feito para dançar. A música deles surge como se fosse feita para que o público, um a um, os imitasse. O grupo assumiu – repita-se - a herança deixada pelo Los Hermanos caso este não partisse para fazer uma mpb cabeçuda e chata pra dedéu. Só que, com o passar do tempo, revestiu-se de algo próprio, mesmo que o público, com balões, serpentinas e confetes, remeta irremediavelmente à célula matter. Uma pesquisa de amostragem simples apontaria facilmente os órfãos dos Hermanos na multidão que encheu o Circo ontem. Mas e daí? Na hora em que músicas como “O Tempo” começam a ser tocadas, ninguém quer saber nada disso. Não há tempo para reflexões num show do Móveis: o negócio é se entregar à catarse sem medo de ser feliz.

Até na versão estendida de “Bem Natural”, um reggae nervoso cheio de nuances, o bicho pega, e em “Descomplica” – como “O Tempo”, do segundo disco, “C_mpl_te” – uma simples corridinha do vocalista André Gonzáles faz a platéia erguer os braços de um lado a outro, como numa coreografia ensaiada. Só que tudo certinho e previsível aponta para uma obviedade logo ali na esquina, e acaba por criar um público pouco questionador, que embarca no mau gosto do bis, onde samba e micareta quase mancham uma noite de almanaque. Sim, André, o Carnaval já acabou, e estamos em pleno Grito Rock.

O vocalista da Tereza coloca o público pra cantar

O vocalista da Tereza coloca o público pra cantar

Antes, esse mesmo público, já numeroso, também aprovou e até cantou junto com o (a?) Tereza, espécie de banda de baile que parece ser feita sob medida para a farra de ecléticos dos nossos tempos. O desengonçado grupo atira para todos os lados sem munição para acertar alvo algum, e se vale de um elam traiçoeiro como se tivesse um trabalho musical consolidado. Mas se revela só uma dessas bandas covers com músicas próprias que abusa de standards de vários subgêneros do rock e da música pop. No entanto, arranca aplausos da platéia, sobretudo na pseudo-britânica “Vamos Sair Para Jantar”, e em “Rádio Recordar”, com um inesperado acompanhar de palmas. O que só confirma a vocação do público do Móveis para o aplauso.

Embora já tenha seis anos de existência, completados ontem mesmo, o Sabonetes já se desgarra da geração dos rock dos anos 00, partindo dali para buscar um passo adiante. Para eles, Strokes e Franz Ferdinand (talvez a banda-chave dos curitibanos) são coisa do passado. Na verdade eles estão bem à frente do viés “dance” que no qual o FF e boa parte do indie britânico mergulharam, porque sabem usar as guitarras como instrumento do pop. Caso de “Nanana”, por exemplo, uma das que levantou o público. Os caras também são mestres em (e têm a cara de pau de) colocar um trecho onomatopéico/cantarolável em quase todas as músicas, artifício apelativo que contribui para trazer o público junto. Foi assim que eles abriram a noite, com “Descontrolada”, pérola pop/dance cujo encerramento bem que pedia uma tecla “mute”. Simpáticos, deram exemplo aos locais ao reconheceram a importância de tocar no histórico palco do Circo Voador. Palmas pra eles.

Os escorregadios Sabonetes agitam o Circo

Os escorregadios Sabonetes agitam o Circo

Por problemas envolvendo a curadoria do Grito Rock, as duas bandas que se encarregaram de abrir a noite eram muito fracas. A Aumumana (leia-se alma humana) tenta resgatar o rock progressivo dos anos 70, mas se perde em meio a referências que atiram para todos os lados. A busca pelo excesso é tão grande que os caras deixam de lado o básico: a música. Não há arranjo com milhões de inserções que façam uma música ruim se converter em boa canção. Muito menos quando não há estofo. Já Wander Telles, embora pareça ser bom instrumentista e compositor, aposta numa mpb chocha à Jorge Vercillo que se mostrou fora de contexto – nem o nome do festival sabia pronunciar. Não por acaso, ante a essa duplinha, o reduzido público preferiu o ar fresco fora da lona ou a discotecagem totalmente “do eixo”, num festival cujo objetivo é justamente mostrar novos talentos.

O Grito Rock RJ prossegue hoje, no Circo Voador. Veja quem toca aqui.

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Comentários enviados

Existem 3 comentários nesse texto.
  1. José Vicente em fevereiro 27, 2010 às 20:36
    #1

    Eu tava exatamente do seu lado esquerdo (tava com uma camisa pólo vermelha) no show do Móveis. Nunca tinha assistido a um show deles, mas achei que a vibração é boa, o público, domesticado e “festivo”, entra na dos caras por inteiro etc. Mas tem duas coisas: a banda só tem um único coelho da cartola; e o vocalista, que pula feito uma lombriga doidivana, às vezes se esquece de cantar e vira um animador de platéia. Até pensei que o microfone estivesse com algum problema, mas depois percebi que o cara não articulava as palavras porque estava mais preocupado em pular (as letras palavrosas também não ajudam). O show é bom, mas é aquele “alternativo” que logo-logo vira fajutice pros filhos da PUC.

  2. Milla Rocha em fevereiro 27, 2010 às 20:46
    #2

    Eu amei o show do Móveis e amei Adeus versão de carnaval!! Diversidade é a marca do Móveis…

  3. Neca em fevereiro 28, 2010 às 19:56
    #3

    Eu nunca tinha ido em um show da Móveis e apenas tinha ouvido falar da Tereza. Achei a apresentação da Móveis fantástica, muito animada, e concordo c/ certas afirmações suas. Mas a Tereza, “espécie de banda de baile”, “O desengonçado grupo atira para todos os lados sem munição para acertar alvo algum” e “se revela só uma dessas bandas covers com músicas próprias”, infelizmente você exagerou. Tudo bem que ‘exagero’ é uma característica clara sua, mas essas expressões são opostas à verdade. Achei o show muito animado, e musicalmente, faz tempo que não ouço nada brasileiro tão bom, original e bem trabalhado. Nem um pouco desengonçada, muito pelo contrário, estão MUITO acima de “bandas de baile”, e ainda descobri que ela tem um pouco mais d 1 ano de existência! Ainda ouviremos falarem muito dela, pode esperar.
    Abraços

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