Rock’n’roll fanfarrão
Em mais uma noite histórica, Velhas Virgens encerra jejum e faz, enfim, sua estreia no Circo Voador; Cabaret e Martiataka também garantem perfil “rock de verdade” da segunda noite do Grito Rock carioca. Fotos: Luciano Oliveira/ Divulgação.
Quando o vocalista Paulão de Carvalho se derreteu de elogios ao palco do Circo Voador e disse que aquela era a primeira vez que o Velhas Virgens se apresentava no mais importante palco no rock nacional, se confirmou que a lona lotada estava presenciando um momento histórico. Como foi possível o divórcio permanecer por tanto tempo? Na noite em que o chamado “rock de verdade” tomou conta, o mérito do Grito Rock carioca foi justamente o resgate do gênero ao seu berço mais significativo, na máxima de uma inevitável reconciliação: não dá pra imaginar um sem o outro.
O Velhas Virgens é o tipo de banda que revive os bons tempos do politicamente incorreto, cujo lema traz de volta o bom e velho sexo, drogas (no caso “piscinas de cerveja” e muita cachaça) e – claro – rock’n’roll. O grupo trouxe a íntegra da turnê do álbum “Ninguém Beija Como as Lésbicas”, lançado no ano passado - com direito à decoração de palco que inclui cartas de baralho gigantes e personagens infláveis – e que forneceu ao repertório boa parte das músicas que, a bem da verdade, pareciam clássicos já consagrados, cantados a plenos pulmões pelo público. São temas que envolvem mulheres que só querem saber de beber, homens cafajestes, mesas de sinucas, velhos safados e outras impublicáveis sacanagens.
Embora ofereça um espetáculo cênico, e tenha a vocalista Juliana Kosso (“a mulher que botou chifre no demônio”), a banda gira em torno de Paulão, um verdadeiro ícone do hypado “stand up comedy” que recheia o show de irresistíveis tiradas de salão - para dizer o mínimo. Paulão é do tipo que já perdeu todos os amigos, mas jamais uma piada. Ele entra vestido de gênio da garrafa do rock (“O Gênio da Garrafa”); aparece de ceroulas, peruca e barba branca em “Velho Safado”; se veste de Papa para enunciar os “mandamentos da igreja alcoólica”; agarra maliciosamente uma incauta que sobe no palco e bebe cerveja derramando no pé de outra, tudo sem jamais perder o controle da situação. É incrível como ele pára tanto o show para soltar um festival de abobrinhas que dispara o riso de todos, sem quebrar o ritmo do show. As mais comportadas moças cantaram as frases mais cabeludas de suas vidas numa felicidade só.
Musicalmente o grupo usa o rock clássico, com pitadas de blues e hard rock em nome da diversão. Mas ninguém está ali a passeio; todos tocam muito bem e impingem um peso que, de elemento principal para um público segmentado, acaba coadjuvando tudo em nome da fanfarronice explícita (bota explícita nisso) em refrões pornográficos que seduzem a todos. Tanto que ninguém reclamou do medley, no bis, que incluiu uma série de marchinhas carnavalescas. Curiosamente, coube à banda de rock sujo, que antes já tocara uma versão hardcore para “Eu Bebo Sim”, de Elizeth Cardoso, fazer aquilo que o samba de São Paulo esqueceu: homenagear o centenário de Adoniran Barbosa. Não, o carnaval não acaba nunca.
Mais cedo, doses generosas de rock já haviam sido distribuídas ao público, mas a ansiedade pelo Velhas Virgens era grande. Que o diga Márvio, vocalista do Cabaret, que gosta de ser provocado e também tem lá suas tiradas. Com um show montado em cima do repertório do novo disco, turbinado por um quarteto de vozes femininas na maior parte do set, nem precisava ter se dado ao trabalho de bater boca com o público. As músicas novas (do esperado álbum “A Paixão Segundo Cabaret”), talvez até pela troca de guitarristas, perderam aquele “quê” de hard rock que contribuía para o diferencial do grupo, mas há como se ajustar. O Cabaret também parece cada vez mais melodramático, e – inusitado - acabou conquistando o aplauso dos machões de plantão com as irresistíveis baladas e – claro – com a dança provocante de uma das vocalistas.
Típica banda de classic rock (já no modo de se vestir) o Martiataka foi a primeira da noite a soltar as guitarras paras o público – embora este ainda não fosse tão grande assim. O grupo se garante com um vocalista que tem boa presença de palco e solta a voz pra valer, enquanto as guitarras não param de evoluir e solar o tempo todo. “Boa noite, capetada!” foi o cartão de visitas de W. Del Guiducci, que exibe um perfil matusquela de fazer inveja à Scott Weiland. A semelhança sugere o paralelo musical também com o hard rock do Velvet Revolver, num show teve provavelmente as melhores guitarras de todo o festival. Depois do cover de “Eu Não Matei Joana D’Arc” + “Beth Morreu”, do Camisa de Vênus, dedicado aos “vagabundos iluminados”, o final com as guitarras erguidas sobre o vocalista de joelhos foi épico.
Quem também se esforçou um bocado na vida dura de banda de abertura foram Os Abreus. O grupo carioca mostra uma postura rock ausente no disco de estréia, lançado ano passado. Identificado com o rock dos anos 80, assegura mais peso e lhe dá um necessário up grade em pleno século 21. O desafio agora é fazer um disco com a mesma pegada. A baixa da noite ficou por conta do 11:11, projeto encabeçado pelo baixista Tchello, do Detonautas, e outros músicos da cena carioca, que há muito tempo ensaiam juntos, mas nunca tinham subido no palco. O som é um rock viajante, com ênfase no diálogo entre baixo e teclado, mas tem muito a se organizar. Para começar, Tchello poderia ajustar o vocalista blasé que canta à Brian Molko (Placebo), em inglês, e destoa totalmente do som do grupo.
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