A força de uma estrela
Em noite de redenção do Aerosmith, Steven Tyler brilha e comanda show para 38 mil pessoas. Foto: Marcelo Rossi/Divulgação Time For Fun.
Chamar de surpreendente um show de uma banda que há seis anos não lança nada de novo pode parecer exagero, mas, para quem passou o ano de 2009 lendo notícias de que o Aerosmith estava acabado, a apresentação de ontem, no Estádio do Parque Antarctica, em São Paulo, foi, sim, uma grata surpresa. Cerca de 38 mil pessoas viram uma banda muito bem entrosada e articulada, liderada por um Steven Tyler completamente revigorado, muito longe daquele personagem decadente que quebrava a cabeça ao cair do palco. A noite foi dele: cantou muito, quase sem desafinar, fez todas as coreografias habituais, esbanjando fôlego, resistência física e vigor, e comandou – literalmente – uma platéia que se dividia entre participativa e boquiaberta.
O repertório já é conhecido, e, tal qual um reloginho, tem sempre 19 músicas apresentadas em exatas duas horas de duração. Apesar disso, o grupo injeta uma ou outra coisa inesperada. Ontem foi a vez de “Kings And Queens”, desenterrada do álbum “Draw The Line” e apresentada por Tyler como uma “novidade” para o público de São Paulo. Foi a primeira vez que o grupo tocou a música neste que foi o quinto show da “Cocked, Locked, Ready to Rock Tour”. Antes, a turnê passou por Caracas, dia 17; Bogotá, dia 20; Lima, dia 22; Santiago, dia 25; e Porto Alegre, dia 27 - clique nas cidades para ver quais músicas foram tocadas em cada apresentação. Por outro lado, a ausência mais sentida foi a do hit “Jane’s Got a Gun”, que curiosamente tem sido omitido em toda a turnê.
Sentida depois que o show acaba, porque as duas horas funcionam como um lapso do tempo em que banda e fãs mergulham numa história de cumplicidade já conhecida. Em “What It Takes”, por exemplo, Tyler começar cantando os versos e é acompanhado à capela num dos momentos mais emocionantes do show. “Lindo”, disse o vocalista. Ele conversava pouco com a platéia, mas se comunicava cantando, em expressões corporais e coreografias, que era uma beleza. Uma careta ou um trejeito de Tyler, interpretando os sucessos do Aerosmith, vale mais que mil palavras. Na agitada “Falling In Love (Is Hard On The Knees)”, disse que ama o Brasil, antes de receber uma bandeira brasileira com o símbolo do grupo costurado por cima. Não hesitou em lançar os óculos escuros para o público, como faria com várias gaitas que usou durante o set.
Como no show de 2007, no Morumbi, uma passarela montada em direção ao meio da platéia é o habitat natural para Steven Tyler brilhar. Ele recebe a companhia de Joe Perry, revivendo em vários momentos os tempos dos “toxic twins”. Foi assim já na apropriada “Back in The Saddle”, a segunda da noite, que veio colada em “Eat The Rich”. Seria um início estonteante, se o som não estivesse mal equalizado, com Perry tocando para ninguém ouvir, até “Love In Na Elevator” detonar o público com o impressionante coro “Oh… Oh Yeah!”.
Perry, com um visual de cantor de cabaré, troca de guitarra como quem muda de roupa e sola horrores. Em “Livin On The Edge” saca uma double neck que faz lembrar Jimmy Page, mas acaba se saindo melhor com as Gibson SG que trouxe na bagagem. O guitarrista usa e abusa do efeito steel guitar, como em “Lord Of The Thighs”, em que duela com o “vovô” Brad Whitford de forma exuberante. Whitford continua se mostrando um dos melhores guitarristas base do hard rock, mas colocou as manguinhas de fora também em “Kings and Queens”. O discreto baixista Tom Hamilton só aparece mesmo no início de “Sweet Emotion”, e o solo do batera Joey Kramer tem citação à bossa nova e pancadas nas peças com as mãos, além da companhia de um iluminado Steven Tyler.
Só mesmo Joe Perry pode dividir as atenções com o vocalista em alguns momentos. Em “Sweet Emotion”, canta usando efeitos na voz, sola adoidado com a citação de “Third Stone From The Sun”, de Jimi Hendrix, e ainda finaliza como um bruxo, tirando sons de um teremim de última hora. Em “Stop Messin’ Around”, gravada originalmente pelo Fleetwood Mac, sola com a guitarra (dessa vez customizada com a foto da esposa) nas costas, num dos momentos mais vibrantes da noite. Em relação ao show de 2007, a música – assim como “Baby, Please Don’t Go” (outro cover, de Big Joe Wiliams) – ganhou um up grade fantástico, deixando de ser um “descanso” no set para se transformar numa jam session pesadíssima. Outro bom momento foi na baladaça “Cryin’”, renovada por solos mais pesados e contagiantes. Perry só exagerou ao duelar com si próprio no telão, em versão de vídeo game, numa propaganda gratuita. Mas até que foi rápido.
Quase dá para fazer um repertório alternativo com ausências do naipe de “The Other Side”, “Amazing”, “Dude (Looks Like a Lady)”, “Rag Doll”, a já citada “Jane’s Got a Gun” e tanta outras. Mas como querer mais de uma banda com quarenta anos de estrada que renasce de forma improvável e continua a surpreender? Enquanto a duplinha Tyler (sobretudo ele, a estrela da noite) e Perry seguir nesse ritmo, não haverá motivo para lamentações.
Na abertura, o Cachorro Grande fez um set correto e segurou a onda dos fãs mais afoitos que já não aguentavam a espera pelo Aerosmith. Quase sem baladas no repertório, o grupo até foi aplaudido, muito por causa do vocalista Beto Bruno, que não se cansou de elogiar a banda principal da noite e chegou até a puxar o corinho “Aerosmith! Aerosmith!”. Também não pecisava exagerar, né?
Set list completo:
1- Eat the Rich
2- Back In The Saddle
3- Love in an Elevator
4- Falling in Love (is Hard on the Knees)
5- Pink
6- Dream On
7- Livin’ on the Edge
8- Jaded
9- Kings ad Queens
10- Crazy
11- Cryin’
Solo bateria de Joey Kramer
12- Lord Of The Thighs
Solo de guitarra Joe Perry
13- Stop Messin’ Around
14- What It Takes
15- Sweet Emotion
16- Baby, Please Don’t Go
17- Draw the Line
Bis
18- Walk This Way
19- Toys In The Attic
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Simplesmente a resenha perfeita !
Ok, teve até theremin. To bem triste de nao ter ido.
Não custava nada ter dado uma passadinha na Apoteose ou num “Qualquer Coisa” Hall daqui do Rio.
P.S. Grande resenha, como ja se era de se esperar.
:-)
Simplesmente fantástico, a banda passeou pelos clássicos de 70 aos hits pós 90, destaque para “Kings And Queens”. Público fantástico seguiu com a banda até o fim, pulando, cantando, balançando as mãos… Os quase 40 mil jamais vão esquecer dessa apresentação, que na minha opinião superou a de 2007.