Balançando os alicerces
No segundo dia, Festival Casarão engrena e invade região central e tradicional de Porto Velho com rock pesado e música regional; ainda houve tempo para uma saideira de ouro. Fotos: Érica Pascoal/Divulgação.
O segundo dia do Festival Casarão espalhou o rock pela cidade de Porto Velho, com os shows acontecendo em três locais. No início da noite, os palcos gratuitos, montados na região central da cidade, mobilizaram a maior quantidade de público até agora. Um, em plena praça pública, reuniu bandas do rock pesado bem em frente ao Palácio do Governo; o outro, no Mercado Cultural, uma construção histórica reformada há pouco tempo pela prefeitura, e reduto do samba local, viu a mistura de ritmos regionais com o rock. Ou seja, na véspera do feriado estadual do Dia do Evangélico, o rock profanou Porto Velho no seu mais tradicional status quo.
No palco da Escadaria da Unir, a gratuidade dos shows reuniu camisas-preta de todas as tendências. Inconformado com a recepção inicialmente fria do público, o vocalista da Hipnose, que abriu os trabalhos, disparou: “Vocês são emo, porra?”. Foi o suficiente para um que um clima de tensão fosse quebrado e participação fosse crescendo a cada show. O som do Hipnose é mais identificado com o nu-metal, fato que pode ter contribuído a desconfiança do púbico. Mas a banda sofreu mesmo foi com o terrível equipamento de som, que limava instrumentos e os traziam de volta o tempo todo, isso sem falar no volume inexplicavelmente baixíssimo – problemas que se repetiriam durante toda a noite.
Ajuntando várias tendências do thrash e do death metal, o Dyviron se mostrou mais familiar à platéia. Também, pudera. Cada música que o grupo iniciava fazia lembrar um clássico do subgênero, de Metallica a Sepultura. Tudo graças a um guitarrista técnico que tocava com boa precisão, embora petrificado no palco. Só falta agora o grupo deixar de lado a máxima das “bandas cover com músicas próprias”. A pitada de hardcore veio com o NEC, mas àquela altura o público era bastante disperso como se fizesse um pic-nic na Praça, tendo o grupo como pano de fundo. Para piorar, os shows do Mercado Cultural começaram a acontecer ao mesmo tempo, desmobilizando totalmente o palco externo. O disparate foi tanto que durante o show do Bedroyt, único dos grupos voltado ao metal tradicional/hard rock, o Mugo (na foto acima), de Goiânia, que seria a atração principal do Palco da Escadaria, convenceu a produção de se apresentar dentro do Mercado Cultural. Sábia decisão.
Gosto questionável
Lá dentro, dois trios instrumentais resgatavam ritmos regionais do Norte com certa virtuose. O local Expresso Imperial é típica banda de baixista comandada por Ramon Alves, que dita o andamento de quase todas as músicas. Como é muito novo, falta ao grupo superar a timidez – o guitarrista chega a tocar de costas pra o público – e ganhar entrosamento para que a música ganhe fluidez e boas composições apareçam. Uma coletânea de instrumentais do Rush cairia muito bem no tocador de mp3 dos rapazes. Já ao Caldo de Piaba, um dos queridinhos do cenário independente nos últimos tempos, não falta nada. O grupo é bem entrosado, toca brincando e faz ao mesmo tempo música com boa técnica e dançante. Padece – assim como o Do Amor (foto acima), a atração principal do palco – pelo resgate de ritmos regionais de gosto questionável. Há até certa identidade com o público local, mas oxalá não passe disso.
O Do Amor, do Rio, tem como vantagem o fato de os locais verem suas raízes regionais refletidas num grupo da capital cultural do País. O quarteto também se dá melhor por não ser “apenas” instrumental, muito embora nenhum dos integrantes – músicos de mão cheia, nota-se – saiba cantar direito. Ainda assim, eles vão moldando um modus operandi musical que pode superar as escolhas equivocadas. Uma instrumental da fase guitarrista de Pepeu Gomes cairia bem no lugar da inefável “Pepeu Baixou em Mim”.
Mas o caldo entornou mesmo quando o recém transferido Mugo (foto) fez, no Palco do Mercado Cultural, aquele que era para ser o grande finale na Praça, do lado de fora. O grupo goiano superou – e de longe – todas as outras apresentações. O som deles, pesadíssimo, reside em algum lugar da história em que o death metal melódico europeu cruzou o Atlântico e se encontrou com a quebradeira do nu-metal. Mesmo com apenas um guitarrista, o esporro é garantido. Foi o único momento da noite em que o público participou mais ativamente à beira do palco, onde – em tempos de Copa do Mundo – até Messi e Ballack bateram cabeça abraçados.
Saideira de luxo
O esforço da produção em descobrir um novo formato, para substituir os tempos em que o festival era realizado no casarão que lhe deu o nome às margens do Rio Madeira (até 2008), está resultando numa permeabilidade que ainda viu o Autoramas tocar no Piratas Pub, no coração da boemia jovem de Porto Velho. O grupo carioca trouxe o show no formato acústico com suas vantagens e desvantagens. Se mostrou versões interessantes para hits de outros artistas, como “Blue Monday’, do New Order, e novas como a impagável “Samba Rock do Bacalhau”, deixou de fora hits do naipe de “Carinha Triste” e “Fale Mal de Mim”. No computo geral prevaleceu a pegada rock da banda, mesmo com violões que – esperamos todos – estejam com os dias contados
Marcos Bragatto viajou à Porto Velho à convite da produção do Festival Casarão.
O Festival Casarão segue hoje e vai até sábado. Saiba mais aqui.
Veja também a cobertura da primeira noite.
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