O possesso
Em noite de rara inspiração, Marcelo Gross conduz Cachorro Grande a uma fantástica viagem pelo mundo do rock; Velhas Virgens abriu os trabalhos com espetáculo teatral e bem-humorado. Fotos: Luciano de Oliveira.
Pouco mais de um ano de o Cachorro Grande lançar o álbum “Cinema”, o grupo voltou ao Circo Voador, dessa vez sem nenhuma novidade, a não ser a consolidação do repertório e – quiçá – uma ou outra música nova. A afirmativa seria correta senão estivéssemos falando de uma banda que pouco se repete e é dada a improvisos, sobretudo quando os músicos estão mais inspirados que o normal. Pois foi o que aconteceu ontem. O guitarrista Marcelo Gross desandou a se reinventar com a guitarra no talo, no que foi acompanhado sem a mínima cerimônia pelos seus pares. Impressionante como o batera Gabriel Azambuja se supera e até o outrora tímido Pedro Pelotas faz os teclados exigirem o respeito que o rock merece.
Na verdade nem era para ser assim. Com o repertório bem parecido com o do show de um ano atrás e o som alto pacas, o grupo teve problemas com o baixo em “Que Loucura!”, logo na primeira parte do set, a ponto de Rodolfo Krieger não ter instrumento para tocar. O vocalista Beto Bruno se irritou e defendeu o público que “não pode pagar para ter chinelagem”. E tudo justamente na música em que Gross costumava se aventurar mais com a guitarra. O episódio parece ter instigado os músicos, que tocaram com uma pegada ainda maior que a usual. Além disso, o show todo ganhou um “quê” de psicodelia com barulhinhos espalhados entre as músicas inspirados na fase Syd Barret do Pink Floyd, ou mesmo na carreira solo do malucão de plantão. “Deixa Fuder”, por exemplo, cantada por Krieger, terminou assim, abrindo caminho para a “Boa Roda Gigante”. Em “A Alegria Voltou”, cantada por Azambuja e com Beto Bruno tocando guitarra, o enceramento inclui um esporro à Sonic Youth, guitarras sendo arregaçadas junto aos amplificadores, joelhadas no baixo e outras artimanhas de uma banda em estado de graça. O público adorou.
“Bom Brasileiro”, tida como uma ode ao Rio, traz à tona citações aos Stones num outro improviso de arrepiar; em “Dia Perfeito” Pelotas deita e rola; mas é “Vai T. Q. Dá” a escolhida da noite para um possesso Marcelo Gross incrementar uma viagem de solos e evoluções de guitarra de arrepiar. Com citações ao bom rock dos anos 70, à surf music dos 60, ele impõe uma implacável perseguição sonora aos companheiros de palco. E tudo como se fosse a coisa mais comum do mundo – inclua aí uma versão porrada para “Break On Through”, do The Doors. “Lunático” e “Sexperienced” fecham a noite, mas o grupo volta no bis para “Você Não Sabe o Que Perdeu” e – advinhe – destroem literalmente o set no final. Faltou pouco para Marcelo Gross atear fogo na guitarra ou lançá-la contra o piso, numa noite das mais inspiradas em que ele estava dominado pelo rock’n’roll.
Fora o episódio do baixo, outra dificuldade para o Cachorro Grande era não deixar a peteca cair depois dos cerca de 90 minutos em que o Velhas Virgens animou o público como poucas bandas conseguem fazer. Era digno de registro a maior quantidade de fãs do VV em relação ao CG, numa noite não tão concorrida assim, diga-se. O vocalista Paulão tem o controle da situação e desfila o repertório de piadas já conhecido (o grupo esteve no Circo em fevereiro), mas ainda assim impagável e que não deixa ninguém de cara fechada. Encarnado personagens como “Velho Safado”, “Padre da igreja alcoólica” e “Gênio da Lâmpada”, entre outros, é coadjuvado pela sedutora e também escrachada Juliana Kosso. Ela arrasa logo de cara em “Cafajeste”, cujo verso “não há homem que preste” solta o grito da platéia feminina. Prova de que a safadeza do Velhas Virgens é para todos.
Com o som rolando, a banda, formada por músicos cascudos, manda classic rock, blues, hardcore e até “A Última Partida de Bilhar”, uma paródia hard rock de fazer Axl Rose tremer dentro da bermuda de lycra. O público se esbalda cantado refrões impublicáveis, abrindo roda de pogo e se divertindo à valer. Mesmo como “banda de abertura”, o grupo teve que voltar para atender ao pedido unânime da platéia. Um espetáculo teatral que tem o trinômio sexo (sacanagem de salão), drogas (álcool) e rock’n’roll (de todas as origens e tendências) muito bem reproduzido.
Set list completo Cachorro Grande:
1- A Hora do Brasil
2- Hey, Amigo
3- Dance Agora
4- Conflitos Existenciais
5- Que Loucura!
6- Desentoa
7- Deixa Fudê
8- Roda-Gigante
9- As Próximas Horas Serão Muito boas
10- A Alegria Voltou
11- Lili
12- Bom Brasileiro
13- Amanhã
14- Dia Perfeito
15-Vai T. Q. Dá
16- Lunático
17- Sexperienced
Bis
18- Você Não Sabe o Que Perdeu
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