O Homem Baile

Meu papai!

Na noite de abertura do Festival Se Rasgum, o veterano Manoel Cordeiro salva a pele do filho, Felipe Cordeiro; Dona Onete encanta a juventude e André Abujamra mostra show atraente e de rara precisão. Foto: Renato Reis/Divulgação.

Felipe Cordeiro é salvo pelo pai, Manoel Cordeiro (à esquerda) e 'ajudado' por uma das dançarinas

Felipe Cordeiro é salvo pelo pai, Manoel Cordeiro (à esquerda) e 'ajudado' por uma das dançarinas

“Devolve o Abujamra!”, gritava o sujeito empolgado no meio do show de Dona Onete, ontem, na noite de abertura do Festival Se Rasgum, em Belém. Era ainda a segunda apresentação dentro do Hangar, uma belíssima instalação do Governo do Estado encampada para dar início à quinta edição do festival independente que tem movimentado e consolidado a cena paraense e toda a sua diversidade. Não se ouviu mais a voz de protesto vindo do público, ainda mais quando o candidato a devolvido André Abujamra mostrou um show transformado em filme e vice-versa.

Entre um show e outro, o destaque da noite ficou por conta de Felipe Cordeiro, que não é bobo nem nada e levou o pai para o palco, o veterano guitarrista Manoel Cordeiro, precursor da guitarrada. Com um modo pessoal de tocar, foi comendo pelas beiradas e praticamente roubou a cena do filho, sobretudo nas músicas instrumentais. Com claras referências à surf music de raiz (surf music da pororoca?), Manoel mistura tudo com os ritmos locais, resultando em músicas bem sacadas construídas a partir das evoluções de seu violão eletrificado. Efeitos pré-gravados disparados junto ao baterista contribuem para uma sonoridade das mais interessantes.

As canções do Cordeiro filho nem são tão boas assim, e sobra para o Cordeiro pai realçar as passagens instrumentais que acabam sobressaindo sobre músicas de gosto duvidoso, como “Eu Quero Gozar”, de Alípio Martins. Pouco contribui o figurino berrante que sugere a “fusão do moderno com o brega”, tampouco as duas meninas (deveriam cantar?) com figurino idêntico ao de Fernanda Abreu e Márcia Bulcão, nos tempos da Blitz, cujo rebolado se aproxima mais ao das dançarinas do Tchan.

O espetáculo de André Abujamra que o fã local queria despachar de volta para São Paulo é temático e dos mais interessantes. “Show Filme” é uma peça audiovisual de rara precisão técnica. A banda toca ao vivo enquanto telões no fundo do palco exibem projeções afins. Nos momentos de maior interação, um senhor, no vídeo, conversa com Abujamra, no palco, cobrando-lhe que toque guitarra de verdade, no que é prontamente atendido. Nos telões, há participações especiais de Evandro Mesquita, Zeca Baleiro e Luis Caldas, entre outras figuras. O repertório é fechado em cima do álbum “Mafaro” – não que ele tivesse hits para apresentar, mas até que tem uma ou outra canção conhecida no meio. Além de uma boa banda e dos figurinos negros com palas decoradas, destaca-se a performance cínica/sarcástica de Abujamra, um figuraça nato.

A senhora que mexeu com o coração de todos mais cedo é Dona Onete, 71, espécie de Dona Ivone Lara do Pará, que, como ela mesma diz, canta “boleros chamegados”. Ela é ladeada pelo Coletivo Rádio Cipó, que dá o ar de modernidade usando referências diversas, mas calcadas no dub e no reggae. Assim, o cancioneiro soa mais que atual, embora ainda fique limitado por si próprio, e dificilmente ultrapassa fronteiras regionais. Pouco importou para o público que se divertiu a valer, ora dançando, ora se divertindo com as boas tiradas (“Agressivos e Carentes”, por exemplo) de Dona Onete, mais do que lisonjeada com o inesperado reconhecimento da juventude modernosa.

A reprimenda que Abujamra leva no seu próprio show também vale para o The Hell’s Kitchen Project, já que o trio mineiro precisa urgentemente de um guitarrista. Investindo numa sonoridade oitentista, acaba soando rock de uma nota só – é o bom baixista da banda que carrega o grupo nas costas. Valeu o aquecimento e como elemento a mais e – vá lá – da diversidade propalada pelo Se Rasgum. O Festival Se Rasgum continua hoje e vai até amanhã. Clique aqui para saber mais.

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