O ano do crescimento do classic rock
Destoando da maioria, ao responder a enquete do grnews o jornalista Marcos Bragatto desvia o foco insistente sobre as inúmeras next big things, e redireciona as atenções para os clássicos. Publicado no Goiânia Rock News na semana passada.
Num ano intenso como o de 2010 não foi nada fácil chegar a um único nome por categoria para atender ao pedido da casa. Mas, paradoxalmente, uma vez que se chega a esses nomes, usando critérios variados e subjetivos, a escolha se reveste, aos olhos de que elaborou o processo, de uma unanimidade inquestionável. É possível olhar para uma série da bandas mais novas que se lançaram a fazer os trabalhos mais revolucionários, mas 2010 foi pautado pela intensificação da inclusão digital do chamado classic rock.
Os mais experientes demoraram, mas já disputam palmo a palmo o espaço virtual com a garotada. Só que esta, cada vez mais nova e sem noção, impulsiona a coisa de gosto duvidoso que não vale nem citarmos aqui, e aquele, experimentado, saber reconhecer qualidade musical e originalidade em todas as épocas.
Por isso a escolha de disco recai sobre Clapton, de Eric Clapton. Este senhor que, nos últimos tempos, desencanou de mercados e tendências para tocar com velhos e novos amigos. Gravou recentemente discos inteiros com B.B. King, J.J. Cale e Steve Winwood, e criou um festival só para guitarristas. Nesse álbum ele revisita suas origens e toca de tudo um pouco: blues rural, dixieland, jazz, country, soul music e por aí vai. Não é um disco de riffs espetaculares que Clapton sempre criou, mas prevalece o bom gosto habitual, dessa vez somado a delicadeza e sensibilidade típicas de mestres que já passaram por tudo na vida e agora não desperdiçam um segundo com o que não importa de verdade. Mais que nunca, aqui Clapton é Deus.
Quando praticamente não há mais rádios ou singles para tocar em rádio, a escolha de música do ano se transformaria num verdadeiro trabalho de pesquisa. Só que, de modo contraditório, a música solta e baixada de graça no mundo virtual joga o conceito de álbum por terra.
Até veteranos como os caras do Rush perceberam isso e lançaram um single virtual com a pérola “Caravan”, faixa-título do álbum que está sendo gravado aos poucos para ser lançado no ano que vem. A música é um resgate completo do trio, com sonoridade retrô e ao mesmo tempo atualizada pela tecnologia. Espécie de síntese da própria trajetória do Rush, simboliza também o olhar do mundo da música para o classic rock, como foi dito ali em cima.
Curiosamente, num ano repleto de shows internacionais passando pelo Brasil, bastaram 32 dias para o melhor acontecer. Considerando que o Metallica não repete repertório a cada apresentação, e, somando os dois shows do Morumbi, nos dias 31 de janeiro e 1º de fevereiro, podemos dizer que os sortudos que estiveram lá nos dois dias viram o grupo tocar 27 músicas diferentes. E isso num set list repleto de clássicos da era de outro do thrash metal, mas, também, com as músicas de um novo álbum (“Death Magnetic”, de 2008) no qual a banda se reencontrou com ela própria. Qualidade de som e produção de palco impecáveis – com o maior telão já visto por essas bandas – garantiram uma noite memorável.
Do lado de cá da Linha do Equador quem matou a pau foi o Mechanics – e a intenção não é agradar a chefia com um grupo local. Poucos esperavam que o grupo, ao optar pelo idioma de Camões, fosse manter a crueza de épocas passadas, muitas vezes até com mais agressividade. “12 Arcanos” é temático, sujo, grosseiro. Uma paulada na moleira estarrecedora. “Ódio” só não foi a música do ano porque é impossível tirar da cabeça a evolução de guitarra da introdução de “Não Fosse o Bom Humor”, do Superguidis. É fato que a música é chupada de uma (ou mais) do Flaming Lips, mas isso pouco importa ante à chicletada que ela te dá.
Com tantos shows legais em festivais, o melhor ficou com o Autoramas, lá em Natal, no Festival Dosol. A vitória apertada – teve Black Drawing Chalks, Canastra, Cachorro Grande, Matanza, Pitty, Nevilton… – se deu por causa da redenção. O grupo, que havia se perdido no formato acústico, se reencontrou com o rock que lhe é característico num local lotado, acalorado, uma verdadeira panela de pressão. Hora certa de mandar muitos clássicos e lavar a alma de todos. Que assim continue.
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