Que horror
Maldita injeta sangue no rock. Quase literalmente. E o público gosta. Publicada na Outracoisa número 19, de março de 2007. Foto: Reprodução/internet
Antes de ser uma banda a Maldita era para ser um filme. Ou, por outra, vários filmes de terror. É que Erich Mariani escrevia roteiros um atrás do outro, todos voltados para o universo trash de personagens de Stephen King. Diante da impossibilidade de realizar tantas produções, achou no rock um caminho para passar a mensagem. Hoje, transforma aqueles roteiros extensos em letras de músicas que são vociferadas nos shows. A decisão do rapaz se deu no fim de 2001, mas como banda propriamente dita a Maldita só decolaria em 2005, com o lançamento do primeiro disco, o sinistro “Mortos ao amanhecer”. Formação consolidada, o grupo acaba de finalizar o segundo, “Paraíso perdido”, gravado num estúdio próprio, que é praticamente um anexo de um famoso hospital carioca.
O detalhe poderia passar desapercebido, não fosse a temática da banda algo tão peculiar e, por que não dizer, fora de certos padrões. É certamente para um lugar semelhante ao da nobre vizinhança que muita gente, ao ouvir as músicas da Maldita, gostaria de enviar seus integrantes, e com passagem só de ida. “Pessoas que parecem bem resolvidas começam a escutar nosso som e ficam horrorizadas… Elas têm aquilo dentro delas muito mais forte do que as crianças que conseguem ouvir e adaptar”, rebate Erich, que nas horas vagas é estudante de psicologia. As “crianças” as quais ele se refere são aqueles que formam a já numerosa turba de seguidores da Maldita. Aí, se estabelece mais uma ligação com o cinema: no início, a banda tinha sido chamada de Malachi, personagem do filme “A colheita maldita” – no qual crianças matam adultos. O número de “pequenos” que curte a banda certamente cresceu depois do Goiânia Noise do ano passado, onde o grupo foi saudado com entusiasmo.
Para Erich Mariani, o efeito da música da Maldita é terapêutico. “Os fãs se identificam de alguma maneira mórbida com essa coisa, mas ao invés de botarem pra fora cometendo atos escrotos, eles escutam música e descarregam tudo. Existe a vontade psicótica de matar, só que eles escutam a música e se sentem muito saudáveis”, acredita, concordando que, definitivamente, seus fãs são pessoas que têm algum problema.
Não é qualquer um, vamos e venhamos, que escuta versos como “comprei a arma só pra te assustar / minha intenção não era te matar / joguei ela no chão e abri suas pernas / sinto o remorso quer me sufocar”, da música “Anatomia”, e sai por aí cantarolando feliz. Ou ainda os de “O homem com o rosto cortado”, que uma rádio de São Paulo até pensou em colocar na programação, mas recuou sob a alegação de que “não dá pra tocar isso na minha rádio”: “Vou cortar os pulsos / o meu corpo está quebrado / o sangue estanca, está escorrendo / e os demônios, e as crianças, e os cachorros passam correndo”. Para Erich é tudo natural. Os poemas que ele arquiva cuidadosamente num caderninho surgem do nada. “Essas letras me vêm à mente, é um sentimento inato. Eu posso estar no dia mais feliz da minha vida, e escrevendo uma letra cabulosa”, conta. Para ele, a reação depende mais de quem lê/escuta, do que de quem escreve/canta.
Para o tal caderno ganhar vida, porém, é evidente que a música não poderia ser algo tranqüilo. A banda foi buscar as referências mais funestas e juntou estilos musicais originalmente vindos de períodos separados por mais de uma década. “O Leo (tecladista) é muito anos 80, eu já sou mais de Metallica, Pantera, as coisas mais porradas. O guitarrista (Lereu) começou a tocar há cinco anos e é completamente nu-metal, e o Magrão (baixista) e o Erich têm o lance do industrial, eles cresceram ouvindo Nine Inch Nails, Rammstein”, conta o batera Vítor, tentando explicar de onde vem o som pesado praticado pela Maldita. Ele contribuiu para o salto de qualidade dado pelo grupo e arredondou a formação que gravou “Paraíso perdido”. Como se vê, gótico, industrial, thrash metal, nu-metal… tá tudo ali no caldeirão da Maldita, muito embora a performance de Erich, nos shows, traga à mente de imediato a lembrança de um certo Marilyn Manson.
Já deu pra perceber que o espetáculo proporcionado pela Maldita não é o dos mais convencionais. De roteirista, Erich encarna um ator performático que abusa de recursos cênicos e acaba sempre cumprindo o objetivo de complementar a temática de horror. Banho de sangue, cabeça de bode, máscara de personagem de filme de terror… “São símbolos que fazem alusão a outras coisas, não necessariamente ao fato de eu estar lá todo banhado de sangue”, viaja. A sangria é obviamente falsa, é uma amiga do grupo que prepara aquilo com glicose. Mas o rapaz já andou testando sangue de animais. Sem muito sucesso. “O de boi não dá certo porque gruda no corpo e gera um mal estar no meio do show, dá alergia”, explica. “Mas se alguém me doar sangue pra usar, eu aceito”, completa, sem perder a chance de definir: “nosso show é um musical de horror, não tão hilário quanto o ‘Rock horror show’ e não tão dramático quanto o ‘Titanic’”.
Na primeira vez em que Erich subiu no palco com a Maldita, já percebeu que o futuro seria movimentado. A experiência se deu na Rocinha, nada menos que a maior favela da América Latina. O vocalista saiu de lá todo quebrado. “Foi um show animal, eu quebrei uma costela e o braço em três pedaços. Depois de saltar sobre o público duas vezes… na terceira, os moradores resolveram não segurar”, conta, sem deixar escapar o detalhe de que já havia entrado no palco de muletas: “Sempre tive um desejo reprimido de mexer com isso, e como foi a primeira vez que eu subi num palco, tive que levar”.
Naquela época a formação era completamente diferente, e olhando para o passado, todos concordam com a notória evolução no som da Maldita. “Bem no início queríamos fazer uma coisa satanista, pegar muito pesado com os valores morais, mas hoje estamos relaxados em relação a isso”, acredita Erich. “No primeiro disco não existia uma banda; era uma galera chegando, montando as músicas que já existiam. Agora fizemos tudo juntos, é uma banda de verdade”, emenda Leo. O resultado pode ser conferido em “Paraíso perdido”, um disco musicalmente mais maduro e trabalhado, não só em termos de composições, mas também nos arranjos. Engendrado com mais cuidado, o álbum, de outro lado, não se distancia da temática que Erich vive a criar, como se fosse ela a coisa mais natural do mundo. Novos caderninhos serão escritos. Prepare o estômago.
Tags desse texto: Maldita, Outracoisa
Putz, já vi esses caras tocando de shortinho, agora eles são dumal?
Maldita é a melhor banda nacional que eu já escutei…
Maldita é a melhor banda que existe no mundo, as músicas deles me trazem paz… me tiram do chão… é como uma terapia pra mim.