Rogério Skylab
Contando a sua história da música popular brasileira
Entrevista feita após o lançamento do álbum “Skylab III”. Publicada na Dynamite 59, de novembro de 2002. Foto: Divulgação.
Rogério Skylab fazia parte da banda Setembro Negro, e partiu para uma polêmica carreira solo. Em 1992 lançou seu primeiro álbum, “Fora da Grei”, investindo em muita experimentação e escatologia, sempre dividindo opiniões: para uns, gênio; para outros, um escroto. Depois de conquistar boas críticas dentro da mídia especializada, lançou “Skylab”, em 1999, e um ano depois, “Skylab II”, um disco gravado ao vivo, onde todos os seus grandes hits estão presentes, cantados em coro por um fiel público. Entre eles, “Moto-serra”, Matador de Passarinho”, e “Carrocinha de Cachorro Quente”.
Depois da participação na coletânea “Tributo ao Inédito”, chega ao mercado “Skylab III” (www.rota66.com.br/skylab), um disco que é uma homenagem aos derrotados do Brasil, entre os quais o próprio Rogério Skylab se inclui. Ele concedeu essa entrevista exclusiva para a Dynamite, na qual defende a ruptura com a mpb, critica o rock nacional dos anos 80, e as bandas que fazem música seguindo fórmulas das FMs, ou inspiradas na jovem guarda. Confira os principais trechos:
O terceiro disco, “Skylab III”, é um apanhado de coisas antigas, né?
Exatamente. De certa forma eu sempre retomo uma música ou outra do início da minha carreira, para colocar novos arranjos. Eu acho que existe um ponto em comum, desde as primeiras músicas até a última, apesar de haver muitas diferenças, em nível de arranjo.
O “Skylab II” era um disco já clássico porque você já vinha trabalhando esse repertório antes, ou depois é que ele rendeu, ficou conhecido?
Ele foi gravado ao vivo, e eram músicas mais antigas, que eu já vinha tocando no show e isso tem sido uma sistemática. Quando eu gravo um disco, eu já toquei as músicas no show por várias vezes, isso é importantíssimo. É fundamental que você toque essa música bastante nos shows, porque ela vai crescendo, até chegar num ponto ideal. Aí você grava.
E já aconteceu o contrário, de você acabar desistindo de uma música?
Muitas vezes. Se você perguntar ao meu público, que vem me acompanhando nos shows, eles vão adorar o “Skylab II”, porque só tem clássicos.
Você não gostou dele?
Não é que eu não gostei. É que nesse disco tem músicas que funcionam em show, e outras não. Esse disco foi um disco conceitual, foi concebido dentro de estúdio. Tem determinadas músicas como “É Tudo Falso”, por exemplo, que é impossível de tocar, tem colagens, tem uma mistura danada, tem Damião Experiença com Frank Zappa.
Mas outras são mais simples…
Para essa garotada nova de 13, 14 anos que gosta do meu trabalho, esse disco “Skylab II”, eu não sei como é que vai ser. Eu imagino que eles prefiram o disco anterior, porque são discos mais escatológicos.
Não que esse não seja…
Mas é que esse tem um elemento político que eu não sei se essa garotada gostaria tanto. Esse disco é mais intelectualizado que o anterior. Dentro desse disco tem todos os excluídos, como o Joe Romano, que era um poeta maluco que morreu atropelado no ano passado. Tem o Damião Experiença, a quem eu dedico o disco. Ele também tem problema mental, produzia uma porrada de discos, desde a década de 70, e vendia tudo na rua.
Você também está no meio desses excluídos, se identifica com eles?
Totalmente. No disco tem o Caetano, que é bem sucedido, um medalhão. Mas o Caetano produziu um dos discos mais importantes da música brasileira, o “Araçá Azul”. Esse disco é rejeitado não só pelas gravadoras, como pelo próprio Caetano, que entrou num processo comercial mesmo, foi um vitorioso, e é o grande representante da música popular brasileira. O Brizola é outro, o grande sonho dele era a Presidência da República e ele não conseguiu. O Arrigo Barnabé produziu um dos discos mais importantes da música brasileira, o “Clara Crocodilo”. Hoje, ele simplesmente rejeitou esse período e só quer fazer música sinfônica.
Considerando essa sua análise, a frase “irremediavelmente fora do mercado”, que abre a música “Lágrimas de Sangue”, é uma opção sua, ou é uma constatação?
Acho que é uma constatação. O que acho uma grande sacanagem é ver bandas independentes, que começaram fazendo punk rock, entrarem numa de fazer música pop, pra ser assimilado pelas FMs. Pra mim mercado é uma incógnita, senão as grandes gravadoras teriam a fórmula do sucesso e saberiam exatamente o que riria fazer sucesso.
Então você pode fazer também…
Eu também. O grande exemplo pra min é o Mamonas Assassinas. Não que eu curtisse muito, nada disso, eu não tenho nada a ver com o trabalho deles. Quando eles chegaram, eu não conhecia nada parecido com aquilo. Era uma coisa absolutamente diferente, original, dentro daquelas palhaçadas que eles faziam.
Então você acha que o filão de um dia desses pode ser o teu?
Eu to jogando os dados. O que eu sou contra é bandas até bem esclarecidas, independentes inclusive, que querem fazer um trabalho pré-fabricado.
Na sua participação no projeto “Tributo ao inédito” você faz uma dupla com o Leela, que é uma banda que não tem nada a ver com a sua música…
Eu achei nesse tributo coisas positivas e coisas negativas. A coisa positiva é isso que você acabou de falar, fazer junções absolutamente improváveis. Eu jamais me vi cantando junto com o Leela. Pra min o Leela faz parte de um outro universo, e eu não quero saber desse universo. Mas eu achei interessante essa junção, esse absurdo. Agora, teve coisas horrorosas. Cadê os pretos no Tributo? Só tem branco, cadê o negro? Porque não MC’s HC? Outra coisa que eu achei sacanagem foi a masterização da minha música. Tinham que ter um cuidado especial, e não tiveram.
Você não vai fazer mais show nesse formato?
Eu particularmente não estou gostando muito desse esquema não. A resposta da imprensa e do público não foi grande coisa. O primeiro show foi na Loud!, foi um show maravilhoso, lotou. Aí chegou no Ballroom, tinha menos público pra ver 10 bandas, do que no meu show.
Mas é só uma coletânea, né…
O legal é que ela trouxe as tendências. Tem as bandas pop, tem as bandas que tão querendo seguir um eletrônico, aquela coisa meio melancólica. E das bandas brasileiras que fizeram experimentação com eletrônico, eu não gostei de quase nada. Eu gostei muito do último disco do Lobão, “A vida é doce”, que ele usou com parcimônia o eletrônico. O problema é que o Lobão não toca muito bem guitarra, e aí ele foi gravar o último disco ao vivo, e aquilo ali tá uma merda em termos de gravação, de produção. Algumas bandas do Tributo tentaram fazer uma coisa autoral. Assim como tem cinema de autor, eu acho que existe uma música autoral.
Você não vai falar quais são essas bandas?
Eu posso citar Zumbi e Bia Grabois
Você acha que a sua música está mais para pop rock, ou para mpb?
Não sei. Fizeram essa mesma pergunta pro Lobão e ele deu uma resposta maravilhosa: não é mpb nem rock, é música contemporânea.
Mas quando você compõe, você já não pensa em fazer um arranjo ”mais rock”, ou “mais suave”, e coisas do tipo?
O que comanda o nascimento de uma música não é nem a música, nem um estilo, pop, rock, ou mpb, e não é nem a letra. É a idéia. Se você tem uma boa idéia, a música nasce em 2 minutos, nasce música e letra ao mesmo tempo, numa velocidade estonteante. Eu acho que a mpb antiga, da época dos anos 60 e 70, que tinha o Chico Buarque, Caetano, tinha grandes compositores. Qualquer menininho que quer aprender violão e compra essas revistas com cifras, vai começar a tocar Legião Urbana, porque as harmonias do Legião urbana são de uma pobreza absoluta. Mas se ele começa a pegar Chico Buarque, vai sofrer pra caralho. Quando começou o rock dos anos 80, eu acho que houve ganhos e houve perdas. A perda foi o empobrecimento musical e poético.
Mas de repente o rock por si só não exige esse tipo de coisa, foi feito para ser mais leve, fácil mesmo…
Desde essa época, acabou o compositor, morreu o autor. Eu acho uma pobreza de idéias. Eu não salvo ninguém. Cazuza pra mim é uma merda. Se você ver o conjunto do trabalho do Caetano, do Chico, do Gil, não dá pra comparar. Eu acho que existe uma carência de autor a partir do rock Brasil dos anos 80. Vou citar um disco, uma banda que se tornou cult nos últimos tempos: Los Hermanos, uma banda pop. Se você observar bem, a força do Los Hermanos não tá nem na letra, nem na música e muito menos na idéia, até porque não existe idéia. A força delas está no arranjo. O arranjo veio suprir uma falta de idéia, uma carência de composição. Pensa bem, ultimamente o grande status tá no produtor fonográfico, que se tornou uma vedete. O Leela abre a boca pra falar: ”ah, o meu disquinho foi produzido pelo Rafael Ramos”.
Eu quero chegar então até o seu trabalho, é por ai que você quer seguir, você acha que você sim está fazendo um trabalho autoral?
Eu procuro fazer um trabalho de composição, de harmonia. Eu não sei se existe isso. Eu te confesso, o “Skylab III” é um disco pessimamente produzido. Se você colocar ao lado de outros discos, mesmo do mercado alternativo, o meu disco, em nível de maquiagem, perde de longe.
Pelo que você falou, então na verdade ganha, porque é melhor não ter a maquiagem…
Eu tô querendo fazer um trabalho cru, um trabalho realmente de composição, que eu não tenho visto ultimamente. Você sabe qual é a grande inspiração do Los Hermanos? É o Roberto Carlos! Roberto Carlos ultimamente se tornou a grande estrela do mercado independente e alternativo. Eu acho a jovem guarda uma excrescência, uma ausência de idéias. Quando alguém valoriza o Roberto Carlos, na verdade está afirmando a música popular brasileira, e eu acho que o grande desafio das próximas gerações é fazer a ruptura em relação à mpb. E para isso você não pode retomar o discurso do Caetano. O rock dos anos 80 viveu um grande dilema, que era querer negar a mpb, mas ao mesmo tempo eles queriam afirmar a mpb. O momento do rock dos anos 80 que significou a ruptura com a mpb foi o “Cabeça Dinossauro”, mas esse caminho foi deixado de lado.
Isso porque as gravadoras obrigaram as bandas a seguir um caminho mais voltado para a mpb, ou então elas iriam pra rua.
Isso é triste porque quando você vê que o rock abandonou esse lado radical e retomou as bases da mpb, você vê hoje, em pleno início do século 21, bandas do cenário alternativo retomando esse discurso aí. Quando você pergunta: “qual é a tua?”, a minha é de ruptura com a mpb.
E com o rock também? Você coloca tudo num saco só?
Não, porque essa questão do rock é… o rock… pode haver um rock legal e pode haver um rock ruim. Nesse meu disco eu quis sublinhar pessoas, quis formar a minha história da música brasileira, uma história que pode ser uma história de ruptura com a mpb, e não uma história de continuísmo da mpb. O “Skylab III”, se você me perguntar uma definição, é essa, de procurar construir uma história da ruptura da mpb. Agora se você me pergunta se eu vejo com bons olhos esse futuro, pelo que to vendo à minha volta, novamente a mpb vai ser afirmada e reafirmada. Eu não to vendo bandas que fazem rupturas, eu to vento o caminho de afirmação da mpb, que é um movimento vitorioso. Como superar essa geração da mpb é que é a grande questão. O rock dos anos 80 colocou, mas deixou de lado, e eu queria colocar essa questão de novo.
Isso só vai acontecer quando Caetano e Roberto Carlos morrerem. Enquanto eles estiverem aí vão estar sendo referência…
De qualquer maneira, essas pessoas que estão no “Skylab III”, elas significam pessoas que vão poder ser retomadas no futuro, como referências de rupturas. O “Skylab III” é uma história de derrotados, mas que podem virar o jogo. Minha esperança é que essa linha de ruptura possa ser retomada.
Em termos de letras, você sempre quis trabalhar numa linha escatológica?
Hoje, em arte contemporânea, a escatologia é uma questão de ordem, que retoma todo um lado orgânico. Porque se você me perguntar, em uma palavra, qual é a característica da música popular brasileira, eu vou te dizer que é a racionalidade. E quando eu falo em escatologia, eu quero fugir dessa lógica da racionalidade. Caetano, Chico, eles são artífices da razão, eles são grandes racionalistas. A ruptura da mpb vai ter que se dar através da loucura, do inconsciente e do irracional. E aí entra o orgânico, a escatologia.
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