Fazendo História

Brilho solitário

Gênio do Pink Floyd faz do álbum “The Wall” um espetáculo de precisão técnica recheado de emoção. Publicado na Billboard Brasil número 29, de abril de 2012. Foto: Luciano Oliveira.

rogerwatersrioO que Roger Waters apresenta no palco vai muito além do excelente repertório temático do álbum “The Wall”, do Pink Floyd, que ficou ainda mais popular com o filme homônimo de Alan Parker. Também não é só uma turnê em que se toca a íntegra de um álbum, como o próprio Waters fez com “Dark Side Of The Moon”, na turnê que passou pelo Brasil em 2007. Com incrível perfeição técnica de som e imagem em apurada sincronia, trata-se do maior espetáculo músico-teatral à céu aberto de que se tem notícia.

Não há uma única canção entre as 28 que não tenha um efeito visual impactante. É avião que cruza o estádio e se estatela no paredão de 137 metros; um professor gigante que ouve um coro de crianças pedindo para que as deixe em paz; explosões, tiros e muitas projeções de altíssima definição que faz o muro o maior telão já visto num show de rock. Tudo para contar a trajetória traumática do próprio Waters, que perdeu o pai na Segunda Guerra e, pelo menos até gravar o disco, ainda não tinha superado o fato. A história é atualizada apontando para as mazelas do capitalismo e dos estados modernos. As bombas que caem do céu em “Goodbye Blue Sky” são logotipos de grandes corporações, e outros males da sociedade aparecem como prefixo “i”, das engenhocas popularizadas no mundo pós internet.

Roger Waters tem em “The Wall” uma criação genial, mas ainda se aproveita dos desenhos malucões do cartunista Gerald Scarfe, usados originalmente por Alan Parker – o que faz do show um somatório do álbum com o filme. Estão lá, além do professor inflável, projeções sensacionais do promotor, da mãe superprotetora e a incrível relação entre os dois sexos realizada por duas “flores carnívoras”. Na homenagem a Jean Charles de Menezes, morto pela polícia britânica em 2005, o brasileiro assume a metáfora de ter virado estatística, como mais um tijolo na parede. E são muitos, projetados no paredão.

Assim como o muro da paranóia vai crescendo em torno do personagem principal, operários terminam de construir o paredão durante o espetáculo, proporcionando algo raro num show e rock: os músicos tocam sem que o público possa vê-los mostrar suas habilidades. Mas as 50 mil pessoas não estão nem aí e vibram quando o guitarrista surge numa plataforma elevada sobre a construção, solando em “Comfortably Numb”. É justo Waters reivindique para si a autoria solitária de “The Wall”, mas nessas horas é a imagem pinkfloydiana de David Gilmour que vem à cabeça. Aos 68, enfim, Roger Waters se aproveita do arranjo e brilha, sozinho, megalômano, na frente da sua criação.

É no segundo ato que a carga dramática/emocional se intensifica, sobretudo com o pedido de retorno dos soldados que foram para a guerra de “Bring The Boys Back Home”, em imagens fortíssimas. Waters, na pele do ditador dos martelos cruzados “metralha” a plateia e até o porco da capa do álbum “Animals” voa pelos ares, numa versão negra, salpicada por frases de efeito em português (“porcos fardados”). O grand finale com a explosão do muro é manjado, mas nem por isso perde o impacto, assim como a intensidade de todo espetáculo, tão fechado em si próprio que não caberia um bis. Só saindo do estádio e comprando o ingresso de novo.

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Comentários enviados

Apenas 1 comentários nesse texto.
  1. Carlene Gonçalves Barbosa em julho 14, 2012 às 15:39
    #1

    Assisti ao show em SP no 01 de abril. O que posso dizer é que fiquei simplesmente e incrivelmente feliz por ter essa oportunidade de ver algo que fez parte de toda a minha vida, como as músicas e o filme, sendo passado ao vivo naquele palco…
    UAU!!! Foi completo, impecável, inesquecível… Grande Roger Waters! Mil vezes Parabéns!!! Amei!

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