Carnaval indie
Show com pouco público e muita animação sugere que Arcade Fire permaneça no patamar em que está, para alegria dos fãs. Fotos: Luciano Oliveira.
Não é simples assistir a um show do Arcade Fire se o sujeito quiser entender o que se passa no palco. Primeiro, porque a turba chega a ter 14 pessoas tocando ao mesmo tempo todo o tipo de instrumento. Depois que, de uma música para a outra, muitos trocam de posição e tocam outras coisas, de modo que a administração do palco é algo de gestão de quem fez MBA. Uma equipe numerosa entra no palco para reorganizar tudo e, quando menos se espera, surge um integrante no lugar mais inesperado tocando algo nunca antes ouvido naquela mesma noite. Mas – acredite – essa dinâmica sem noção funciona como um reloginho, tudo muito bem ensaiado e que até passa batido, ainda mais para aquela parte do público interessada em carnavalizar geral.
Se no disco mais recente, “Reflektor”, lançado no ano passado, que empresta sete músicas ao show, há um flerte sutil com a música brasileira, o Arcade Fire agora parece interessado no afro beat, a julgar pela trilha de música mecânica escolhida pelo grupo, antes de o show começar. E, sim, foi gente fantasiada (de pirata, caveira ou só mascarada) como pedia o baterista Jeremy Gara (saiba mais), e outro tanto de fãs jogam confetes e serpentinas para o palco, como se fazia nos shows do Los Hermanos; mas deixa isso pra lá. A brasilidade aparece quando a faz tudo Régine Chassagne, que até bateria toca, canta em um português bastante razoável a música “O Morro Não Tem Vez”, de Tom Jobim, com uma cópia colorida artificialmente de “Orfeu Negro”, o de 1959, passando nos telões. Na volta para o bis, três dos integrantes aparecem fazendo um playback de “Nine Out of Ten”, do álbum “Transa” (1972), de Caetano Veloso.Por ser um show solo, fora de festivais, esperava-se um repertório maior, mas só rolaram uns 15 minutos a mais em relação ao show principal do Lollapalooza, que seria realizado no domingo. A primeira música a levantar o público – que compareceu em número reduzido, mas animado – é “Neighborhood #3 (Power Out)”, curiosamente uma das antigas, cujo final é transformado numa bela guitarreira de caráter “noise”. A despeito da muvuca formada pelos músicos, realça a presença de palco do grandalhão Win Butler, que tem a voz principal na maior parte do tempo. Mas é impossível não prestar a atenção na pequerrucha Chassagne, que cruza o palco de lado a outro, como se procurasse novas formas de bagunçar o coreto. Quando a deixam cantar, parece uma “personal Björk” moldada para o Arcade Fire.
Outras músicas boas e que funcionam certinho no show são “No Cars Go”, essa das antigas, solitária representante do álbum “Neon Bible”; “Ready to Start”, uma das melhores composições do AF, com um sotaque pop dos bons; e “Neighborhood #2 (Laika)”, novidade nessa turnê, cujo jeitão B-52’s faz o público dançar pra valer. Mas o fator micareta indie só aparece na parte final do show, primeiro com a enjoada “Afterlife”, e, depois, no bis, com “Here Comes the Night Time”, com direito a chuva de papel picado e – aí, sim – um verdadeiro carnaval indie-íntimo. Curiosamente, a noite é encerrada com uma versão meio acústica para “Wake Up”, em um tom épico, quase solene. É a representação do compromisso marcial do público com a banda da comunidade.Set list completo:
1- Reflektor
2- Flashbulb Eyes
3- Neighborhood #3 (Power Out)
4- Rebellion (Lies)
5- We Used to Wait
6- Joan of Arc
7- The Suburbs
8- The Suburbs (Continued)
9- Ready to Start
10- Neighborhood #1 (Tunnels)
11- No Cars Go
12- Neighborhood #2 (Laika)
13- Afterlife
14- O Morro Não Tem Vez
15- It’s Never Over (Oh Orpheus)
16- Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)
Bis
17- Nine Out of Ten (playback)
18- Normal Person
19- Here Comes the Night Time
20- Wake Up
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Show excelente, mas realmente poderiam ter tocado por mais tempo. São quatro álbuns, e eles têm músicas para mais. Valeu a pena assistir o show no Rio, e ter acontecido, que daí deu para assistir o New Order sem remorsos. Abraço, Paca.