Insuperável
Ratos de Porão volta a brilhar no Circo Voador, em noite de aniversário da Festa A Grande Roubada; Dead Fish e Test abriram os trabalhos. Fotos: Michael Meneses (1, 2, 3 e 4) e M. Lima (5).
“Tamo lançando o disco novo, mas não vamos encher o saco com música nova, o negócio é música velha!”, brada João Gordo, logo no início, antes de a banda mandar uma versão velocíssima para “Ascenção e Queda”. Isso depois de duas das novas terem aberto o show no talo. A música faz parte do álbum “Anarkophobia”, de 1991, considerado “metal demais” em uma das mais de mil vezes em que o Ratos foi chamado de traidor, mas que tem sacadas das mais interessantes na letras, fato sempre lembrado por Gordo show após show. E um dos trabalhos do período em que a banda esteve em evidência, daí a enlouquecida participação do público, mesmo depois de um agitado show do Dead Fish.
O tom veloz desesperado é dado, ao fundo, pelo baterista Boka, espécie de motor alucinado da banda. É de impressionar como ele, após todos esses anos e com uns quilinhos a mais, segue como um dos bateristas mais rápidos e técnicos do hardcore nacional, quiçá do mundo. À frente do palco, João Gordo, seguramente o vocalista que melhor se faz entender no ramo, topa a empreitada e salve-se quem puder! Você pode não ter se dado conta, mas João já fez a tal cirurgia de redução de estômago e segue com a pança que faz jus à sua alcunha. É a premonição fatal que garante a sina de ser chamado de Gordo para sempre. E nem adianta o discurso politicamente correto antes de “Diet Paranoia”, que não cola. João Gordo é para ser Gordo e o Ratos é para detonar a tudo e a todos sem dó.Em “Grande Bosta”, uma das novas, que trata do futebol como ópio do povo, Gordo não perde a oportunidade de caçoar dos sete a um da última Copa. É nessa música também que uma incauta sobe no palco, arria a blusa para Gordo, faz o mesmo para o delirante público e se joga sobre o povão, cobrindo os seios um segundo antes com uma agilidade impressionante. Antes de “Morrer”, ele dedica o show ao humorista Fausto Fanti, da trupe “Hermes & Renato”, que se suicidou nessa semana. Não se pode ser tão sério quando Ratos e Circo se encontram e Fausto seguramente teria adorado citação. Em “Beber Até Morrer”, um dos clássicos que inclusive cita o nome da banda, a moça não resiste e volta ao palco, repetindo a arrojada performance; veja a foto no final do texto.
Mesmo depois de 70 minutos de pura pauleira, boa parte prejudicada pelo volume do som ter sido aumentado ao extremo, sempre fica aquela sensação de que ficou faltando música. Também, quem manda ter carreira tão longa (33 anos!) e com tantas porradas na cara? Mas, no fim das contas, o que tinha para ser tocado foi tocado (veja o set list completo no final do texto), incluindo outros clássicos como “Crucificados Pelo Sistema”, “AIDS, Pop, Repressão”, que a massa já pedia desde o início do show, e “Plano Furado II”. E ainda teve o bis com três músicas encerrado pela genial “Crise Geral” em um volume de arrombar até os tímpanos mias rodados. Um desfecho que mantém o tabu que já dura mais de três décadas: Circo Voador e Ratos de Porão, uma dobradinha insuperável.Antes, o Dead Fish vez a boa apresentação de sempre, muito por causa da atlética performance do vocalista Rodrigo e pela incansável participação dos fãs; e não são poucos. Em cerca de uma hora, o show é redondinho com o público agitando e cantando quase todas as letras de cor e salteado, mas, no fundo, no findo, alguma coisa se perdeu. O show soa repetitivo e com uma pegada não tão arrojada como em outros tempos. Pode ser a entrada do novo guitarrista (mais de uma dúzia já passaram pelo posto), o cansado baterista ou mesmo esses cinco anos sem um novo disco e muito mais tempo sem a necessária renovação que uma banda deve ter. Cedo ou tarde, Rodrigo e asseclas vão ter que encarar esse divã.
O que não subtrai da apresentação momentos lindos como o do público cantando sozinho o trecho de “Mulheres Negras”, na qual Rodrigo cita “Decime que se siente” (os argentinos se foram, mas a música ficou!); a citação nirvânica no meio de “Venceremos”; a quebradeira geral em “Zero e Um”; e a participação do vocalista do Plastic Fire, Reynaldo Cruz, no momento criador e criatura, em “Tão Iguais”. A esperança, porém, está nas duas músicas novas, mas só “Jogue o Jogo” (ou algo parecido), com belo riff de guitarra, sugere a tal renovação. Na abertura, a dupla Test, mesmo sem ser uma banda de verdade, entreteve a enxuta e contemplativa plateia que merecia um show mais conciso, sem tantas mudanças de andamento. As melhores partes cabem ao baterista Barata, um destruidor de tambores nato. Te cuida, Boka!Set list completo Ratos de Porão
1– Conflito Violento
2– Viciado Digital
3– Ascensão E Queda
4– Vivendo Cada Dia Mais Sujo E Agressivo
5– Crucificados Pelo Sistema
6– Anarkophobia
7– Vida Animal
8– Grande Bosta
9– Morrer
10– Não Me Importa
11– Cérebros Atômicos
12– Difícil de Entender
13– Arranca Toco
14– Atitude Zero
15– Stress Pós-Traumático
16– Diet Paranoia
17– Crocodila
18– Igreja Universal
19– Beber Até Morrer
20– AIDS, Pop, Repressão
21– Plano Furado II
22– Amazônia Nunca Mais
23– Terra do Carnaval
Bis
24- Sentir Ódio e Nada Mais
25- A confirmar
26- Crise Geral
Tags desse texto: A Grande Roubada, Dead Fish, Ratos de Porão, Test
Correção: o Gordo falou do Fausto antes de ‘Morrer’, não de ‘Grande Bosta’.
Tem razão, Leonardo. Corrigido. Obrigado!