Completo
Com vocação para o palco, Wilco volta ao Rio 11 anos depois e mostra de tudo um pouco, em show marcado por bom gosto e pela sofisticação dos arranjos. Fotos: Nem Queiroz.
O show serve para tirar um atraso de 11 anos (relembre 2005) e é viabilizado pela turma do Queremos, o que significa dizer que a grande maioria ali pagou antecipadamente a cota para a sua realização, e – mais que isso – que o público realmente está na mão da banda, e vice-versa. Tweedy também não dá mole, e mesmo apresentando cinco músicas do novo álbum, “Schmilco”, que saiu há cerca de um mês, percorre um bom punhado de músicas que fazem parte do inconsciente coletivo dos fãs e até dos menos apegados ao modo peculiar de o grupo compor. Consta que, durante a passagem de som, à tarde, integrantes da banda perguntavam aos incautos que já aguardavam na fila para entrar quais músicas queriam ouvir antes de fechar o set list. E eles ainda foram vistos circulando em bares pela Lapa minutos antes de o show começar.
O tamanho do caminhão estacionado do lado de fora dá a dimensão da quantidade equipamento carregada e do cuidado do sexteto em fazer uma apresentação tinindo, o que se percebe na constante troca de instrumentos no palco. Nels Cline, por exemplo, exibe uma série de guitarras, boa parte bem surrada, para impressionar o público com solos enfileirados um após o outro como não se vê em bandas indie como o Wilco. O solo sem fim que ele aplica em “Impossible Germany”, por exemplo, parece teste para ingressar no Van Halen, e a música tem melodia das mais lindas, com três guitarras no palco. Em “Box Full Of Letters”, uma das antigas, impinge ótimas evoluções identificadas como rock’n’roll de raiz, e em “Jesus, Etc”, canção das boas, ataca de lap steel guitar com a maior sem cerimônia. Curiosamente, manipula pedais de efeitos com as mãos, em uma mesinha de apoio.Parece trivial, mas poucas bandas nesse mundão do rock produzem um show com tanta precisão e sofisticação dos arranjos, incluindo as vocalizações de Jeff Tweedy com o baixista John Stirratt. Por vezes, com ênfase nos teclados, Mikael Jorgensen e Pat Sansone se juntam a serviço do bom gosto. Noutras, são três guitarras, como na abertura, com “Random Name Generator”, levemente identificada com as twin guitars do Wishbone Ash. Em vários números, Tweedy comanda a infalível formuleta indie de iniciar como quem não quer nada, para, da metade para o final, o peso e a distorção tomarem conta. É o que acontece, por exemplo, em “Pot Kettle Black”, uma das mais aguardadas, e em “Handshake Drugs”, com direitos a guitarras esmerilhantes no final. Do mesmo modo, o baterista Glenn Kotche, de indisfarçável pegada jazzística, comanda a desconstrução geral em “Via Chicago”, para vibração dos fãs sob a lona.
Entre as novas – e registre-se que “Schmilco” não é essa belezura toda - “Locator” é disparada a melhor, com show particular (outro!) de Cline e um desfecho com os dois teclados fornecendo ainda mais densidade à canção. “Someone to Lose”, bem pesada, contudo, é a que arranca mais aplausos por parte da plateia, ainda no início, após o tal adjetivo citado lá em cima. Mas o público, que volta e meia solta um “Olê, olê, olê, Wilco, Wilco!”, também vibra muito em músicas como “I Am Trying to Break Your Heart”, com um cantarolar precoce no início; soltando a voz na já citada “Via Chicago”; ou em uma interação generalizada ao acompanhar “Spiders (Kidsmoke)”, uma peça de cerca de 10 minutos de duração que passa como o sopro de Niemayer, já no segundo bis. Em “California Stars”, um fã sobe no palco para tocar guitarra junto com a banda e a plateia acha isso o máximo.Banda com vocação para o palco, o Wilco, com esse propósito ou não, flerta com várias vertentes do rock que decerto explica o apreço extramuros em relação ao gueto indie. É fácil identificar The Who na pegada de “I Got You (At the End Of The Century)”; o sotaque classic rock renovado de “Theologians”, uma das pérolas do repertório dessa noite; o alt country de “Forget the Flowers”; ou ainda o rockaço arrasa quarteirão em que se transforma – de novo – “Spiders (Kidsmoke)”. Tudo comandado por Jeff Tweedy, espécie de maestro que, com o passar dos anos, encontra cada vez mais a medida certa para unificar, por assim dizer, um repertório variado e que parece talhado para encantar plateias, de fãs ou não. Que não demore tanto a voltar.
Set list completo:1- Random Name Generator
2- I Am Trying to Break Your Heart
3- Art of Almost
4- Misunderstood
5- If I Ever Was a Child
6- Cry All Day
7- Someone to Lose
8- Via Chicago
9- Bull Black Nova
10- Impossible Germany
11- Hummingbird
12- Handshake Drugs
13- Pot Kettle Black
14- Theologians
15- Ashes of American Flags
16- Locator
17- Pickled Ginger
18- Forget the Flowers
19- Box Full Of Letters
20- Heavy Metal Drummer
21- I’m the Man Who Loves You
22- We Aren’t the World (Safety Girl)
23- The Late Greats
Bis
24- Jesus, Etc.
25- California Stars
26- Red-Eyed And Blue
27- I Got You (At the End Of The Century)
28- Outtasite (Outta Mind)
Bis
29- Spiders (Kidsmoke)
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