O Homem Baile

Completo

Com vocação para o palco, Wilco volta ao Rio 11 anos depois e mostra de tudo um pouco, em show marcado por bom gosto e pela sofisticação dos arranjos. Fotos: Nem Queiroz.

O líder do Wilco e maestro da noite, Jeff Tweedy, com os indefectíveis óculos e chapéu branco

O líder do Wilco e maestro da noite, Jeff Tweedy, com os indefectíveis óculos e chapéu branco

A noite ainda está no começo e o sujeito já reconhece a plateia como “a melhor”, gastando de cara um adjetivo que seguramente lhe fará falta mais adiante. Mas para que economizar se, desde que foi marcado no calendário, o show é do tipo fadado a entrar para a história? Por isso, perto do encerramento, ele solta outra pérola: “Não gostamos de certas plateias, mas vocês são fantásticos!”. Sim, ele pode dizer isso para todas, mas isso é o que menos importa quando se está em pleno Circo Voador diante de Jeff Tweedy, o genial líder do Wilco, e a noite cumpre sua vocação de se eternizar por si só. Não é nada, não é nada, e são 150 minutos de bola rolando em 29 músicas que cobrem todos os 10 álbuns da banda. Tá bom pra você?

O show serve para tirar um atraso de 11 anos (relembre 2005) e é viabilizado pela turma do Queremos, o que significa dizer que a grande maioria ali pagou antecipadamente a cota para a sua realização, e – mais que isso – que o público realmente está na mão da banda, e vice-versa. Tweedy também não dá mole, e mesmo apresentando cinco músicas do novo álbum, “Schmilco”, que saiu há cerca de um mês, percorre um bom punhado de músicas que fazem parte do inconsciente coletivo dos fãs e até dos menos apegados ao modo peculiar de o grupo compor. Consta que, durante a passagem de som, à tarde, integrantes da banda perguntavam aos incautos que já aguardavam na fila para entrar quais músicas queriam ouvir antes de fechar o set list. E eles ainda foram vistos circulando em bares pela Lapa minutos antes de o show começar.

O guitarrista e esmerilhador Nels Cline, ao lado de Jeff Tweedy, que canta junto ao microfone

O guitarrista e esmerilhador Nels Cline, ao lado de Jeff Tweedy, que canta junto ao microfone

O tamanho do caminhão estacionado do lado de fora dá a dimensão da quantidade equipamento carregada e do cuidado do sexteto em fazer uma apresentação tinindo, o que se percebe na constante troca de instrumentos no palco. Nels Cline, por exemplo, exibe uma série de guitarras, boa parte bem surrada, para impressionar o público com solos enfileirados um após o outro como não se vê em bandas indie como o Wilco. O solo sem fim que ele aplica em “Impossible Germany”, por exemplo, parece teste para ingressar no Van Halen, e a música tem melodia das mais lindas, com três guitarras no palco. Em “Box Full Of Letters”, uma das antigas, impinge ótimas evoluções identificadas como rock’n’roll de raiz, e em “Jesus, Etc”, canção das boas, ataca de lap steel guitar com a maior sem cerimônia. Curiosamente, manipula pedais de efeitos com as mãos, em uma mesinha de apoio.

Parece trivial, mas poucas bandas nesse mundão do rock produzem um show com tanta precisão e sofisticação dos arranjos, incluindo as vocalizações de Jeff Tweedy com o baixista John Stirratt. Por vezes, com ênfase nos teclados, Mikael Jorgensen e Pat Sansone se juntam a serviço do bom gosto. Noutras, são três guitarras, como na abertura, com “Random Name Generator”, levemente identificada com as twin guitars do Wishbone Ash. Em vários números, Tweedy comanda a infalível formuleta indie de iniciar como quem não quer nada, para, da metade para o final, o peso e a distorção tomarem conta. É o que acontece, por exemplo, em “Pot Kettle Black”, uma das mais aguardadas, e em “Handshake Drugs”, com direitos a guitarras esmerilhantes no final. Do mesmo modo, o baterista Glenn Kotche, de indisfarçável pegada jazzística, comanda a desconstrução geral em “Via Chicago”, para vibração dos fãs sob a lona.

Música encorpada: o baterista Glenn Kotche, o baixista John Stirratt e o faz tudo Pat Sansone

Música encorpada: o baterista Glenn Kotche, o baixista John Stirratt e o faz tudo Pat Sansone

Entre as novas – e registre-se que “Schmilco” não é essa belezura toda - “Locator” é disparada a melhor, com show particular (outro!) de Cline e um desfecho com os dois teclados fornecendo ainda mais densidade à canção. “Someone to Lose”, bem pesada, contudo, é a que arranca mais aplausos por parte da plateia, ainda no início, após o tal adjetivo citado lá em cima. Mas o público, que volta e meia solta um “Olê, olê, olê, Wilco, Wilco!”, também vibra muito em músicas como “I Am Trying to Break Your Heart”, com um cantarolar precoce no início; soltando a voz na já citada “Via Chicago”; ou em uma interação generalizada ao acompanhar “Spiders (Kidsmoke)”, uma peça de cerca de 10 minutos de duração que passa como o sopro de Niemayer, já no segundo bis. Em “California Stars”, um fã sobe no palco para tocar guitarra junto com a banda e a plateia acha isso o máximo.

Banda com vocação para o palco, o Wilco, com esse propósito ou não, flerta com várias vertentes do rock que decerto explica o apreço extramuros em relação ao gueto indie. É fácil identificar The Who na pegada de “I Got You (At the End Of The Century)”; o sotaque classic rock renovado de “Theologians”, uma das pérolas do repertório dessa noite; o alt country de “Forget the Flowers”; ou ainda o rockaço arrasa quarteirão em que se transforma – de novo – “Spiders (Kidsmoke)”. Tudo comandado por Jeff Tweedy, espécie de maestro que, com o passar dos anos, encontra cada vez mais a medida certa para unificar, por assim dizer, um repertório variado e que parece talhado para encantar plateias, de fãs ou não. Que não demore tanto a voltar.

A animação de Jeff Tweedy corrobora com os elogios rasgados ao público que encheu o Circo Voador

A animação de Jeff Tweedy corrobora com os elogios rasgados ao público que encheu o Circo Voador

Set list completo:

1- Random Name Generator
2- I Am Trying to Break Your Heart
3- Art of Almost
4- Misunderstood
5- If I Ever Was a Child
6- Cry All Day
7- Someone to Lose
8- Via Chicago
9- Bull Black Nova
10- Impossible Germany
11- Hummingbird
12- Handshake Drugs
13- Pot Kettle Black
14- Theologians
15- Ashes of American Flags
16- Locator
17- Pickled Ginger
18- Forget the Flowers
19- Box Full Of Letters
20- Heavy Metal Drummer
21- I’m the Man Who Loves You
22- We Aren’t the World (Safety Girl)
23- The Late Greats
Bis
24- Jesus, Etc.
25- California Stars
26- Red-Eyed And Blue
27- I Got You (At the End Of The Century)
28- Outtasite (Outta Mind)
Bis
29- Spiders (Kidsmoke)

Sofisticação: vista geral do palco do Wilco com toda a parafernália carregada pelo caminhão da banda

Sofisticação: vista geral do palco do Wilco com toda a parafernália carregada pelo caminhão da banda

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