Multifuncionais
Com músicos experientes, Ego Kill Talent atualiza o som noventista e é o senhor do palco no Rio Novo Rock; Overdrive Saravá complica o simples na abertura. Fotos: Nem Queiroz.
A exceção apontada ali em cima se deve ao fato que, com o Ego Kill Talent, não tem mais bobo no rock’n’roll. Ou, por outra, a banda é formada por integrantes cascudos de grande rodagem em outros combos do rock nacional ou mesmo planetário. Como Jean Dolabella, baterista que substituiu Iggor Cavalera no Sepultura e que aqui, além de espancar tambores, toca guitarra com muita propriedade. Em “Last Ride”, de refrão colante, ele se envereda por um ótimo solo, assim como investe em texturas na possante “Still Here”, guiada por um riff instigante. Mas a marca maior para se entender o EKT é sacar que todos eles são, antes de qualquer coisa, inveterados noventistas que atualizam muito bem o rock daquela década. Por isso o ótimo vocalista Jonathan Correa já aparece no palco detonando em “Just to Call You Mine” como se fosse o próprio Eddie Vedder, do Pearl Jam, em início de carreira, como camisa de flanela xadrez e tudo.
Jonathan, para quem não se lembra, liderou durante anos o Reação em Cadeia, maior (único?) representante do pós-grunge nacional, que teve grande sucesso nos anos 00, sobretudo no sul do país, justamente por ter o timbre de voz bem parecido com o de Vedder (relembre). Aqui, reaparece furioso e, sem a guitarra, se revela grande performer, somado à ótima dinâmica do quinteto como um todo, que evolui no palco de acordo com a pauleira que sai das caixas de som em um volume generoso e encorpado – parece até banda internacional -, graças a toda essa rodagem. Completam a formação Niper Boaventura (guitarra e baixo), do Pulldown, e Raphael Miranda (baixo e bateria), que tocava com o faxineiro Der Loo no Sayowa, além de ambos terem feito parte da curadoria do saudoso SWU, o festival mais noventista de que se tem notícia.No show, o Ego Kill Talent toca a íntegra, tintim por tintim, do álbum de estreia, que será lançado daqui a uma semana, no dia 20. Algumas das músicas, contudo, já são conhecidas da plateia, pois fazem parte dos dois EPs já no mercado: “Sublimated” (2015) e “Still Here” (2016). Caso da ótima “We All”, muito bem recebida, e de “Same Old Story”, que aparece mais pesada e com ótima pegada, e tem Jonathan se superando ainda mais. Todas as músicas flertam com o grunge em todas as suas facetas e chamam a atenção mais para o entorno do que para as composições. O que mostra que até os que têm know-how podem melhorar, sobre tudo nas composições, e que o rodízio dos integrantes não melhora nem piora a qualidade sonora do EKT, só subtrai o ritmo do show em si. Com tudo isso, os caras fazem um showzaço daqueles de se anotar no caderninho.
No começo da noite, o Overdrive Saravá também lançou o primeiro álbum, “Anunciação”, tocando quase todas as suas faixas. O grupo, com um público fiel que esteve no Imperator e logo em seguida bateu em retirada, teve bom momentos ao recolher aplausos, em músicas como “João do Amor Divino”, de Gonzaguinha, incluindo a exibição de um cartaz com o clamor nacional “Fora Temer + Diretas Já”, e “Ressuscita Pataxó”, que homenageia o índio que morreu queimado por um bando de playboys em Brasília nos anos 1990; de novo! Musicalmente, e em tese, o grupo mistura o rock de guitarras pesadas com referências da música brasileira que vão da insossa mpb (há ótima versão para “Construção”, de Chico Buarque, diga-se) ao forró e adjacências, incluindo instrumentos como acordeom e triângulo e muita percussão.E é aí que mora o perigo. Por que, em nome da diversidade e do afã de reunir tanta referencia de uma vez só, e ainda com exacerbada teatralidade por parte do bom vocalista Gregory Combat, o conjunto da obra acaba saindo como um tiro disparado ingenuamente pela culatra. Os elementos aprecem solitários, não se misturam efetivamente nas músicas. É um trecho de guitarras pesadas aqui, uma introdução com triângulo acolá, uma percussão realçada de outro lado, sem que se forme o amálgama musical que esse tipo de iniciativa carece. Mesmo o sensível e atento Gregory, que – e ainda tem mais essa – tem verve afiada, se perde com tanta coisa para fazer em cima do palco, entre alfaias, apitos, correntes, máscaras, leitura de cartas e etc. Sua vocação aparenta ser mais a complexidade do teatro do que a simplicidade da canção. Em suma: é muita arte pra pouco rock.
Set list completo Ego Kill Talent:1- Just to Call You Mine
2- Sublimated
3- We All
4- The Searcher
5- Same Old Story
6- Old Love And Skulls
7- Heroes, Kings And Gods
8- Still Here
9- Last Ride
10- Try (There Will Be Blood)
Set list completo Overdrive Saravá:
1- Intro
2- Atabaques e D’jembes
3- Guerreiro do Cerrado
4- João do Amor Divino
5- 666 Noite
6- Mandacaru
7- Ode a Terra
8- Construção/Deus Lhe Pague
9- Ressuscita Pataxó
10- A Vista do Vidigal
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