O Homem Baile

Segue detonando

Wander Wildner discorre pérolas do seu peculiar cancioneiro em noite de ótimo astral no Teatro Odisséia. Foto: Paulo Duarte Filho.

wanderwildner19Wander Wildner está preparando um bazar para vender todos os seus instrumentos e comprar um único violão. O motivo? Vai se desafazer de tudo que não couber em uma pequena maleta que será convertida em sua moradia durante o tempo que vai passar circulando pelo Velho Mundo. O bom e velho andarilho cantando e usando suas canções para garantir o pão de cada dia e, quem sabe, emocionar os incautos que pararem diante dele. Antes de o avião decolar, porém, ele é recebido por um bom público no Teatro Odisséia, no Rio, neste sábado (15/6), e desfralda um apanhado de hits de uma carreia que o consagra como o único punk brega de que se tem notícia. E o que não falta, em uma ocasião dessas, é emoção.

O show é parte de uma extensa programação no mês de junho que comemora o aniversário de 15 anos do resistente Teatro Odisséia. E também é o momento do lançamento, no Rio, do álbum “O Mar Vai Muito Mais Além do Meu Olhar”, o 12º da prolífica carreira de Wander - e não vamos nem falar dos Replicantes, marco do punk rock nacional –, lançado em janeiro. É falando de mar que ele começa, sozinho na guitarra, com “Éter na Mente”, que pouco tem a ver com o manjado trocadilho e guarda a essência romântico-hilariante do cantor. A música é uma das três novas adicionadas ao repertório, assim como “Imagination”, cantada em um impagável inglês que só não supera o portunhol usual. A que o público mais gosta é “A Dança de Tudo”, que, mesmo nova, parece conhecida pelo arranjo dançante que marca várias das músicas do cancioneiro de Wander Wildner, com a letra que foca em seu peculiar - vá lá - andarilhismo: “Nunca faço planos/sempre tenho a visão de que são inúteis”.

A formação é de trio, com Cristiano Carlos, remanescente do Stuart, banda catarinense lá dos anos noventa, no baixo, e o baterista Lalau, e é nesse formato que Wander tem o melhor de suas apresentações ao vivo; sozinho com a viola é legal também, mas não a mesma coisa. Ainda mais quando das caixas de som dá para entender tudo o que sai da boca do homem – fundamental em um trabalho como esse -, e ainda de cada um dos instrumentos. Senão não seria tão bom curtir “Sandina”, que mantém a sensacional linha de baixo da gravação original, dos Replicantes. Ou entrar na batida seca da caixa de Lalau, com a surf music que dá o tom em hinos como “Lugar do Caralho”, de Júpiter Maçã, mas agigantada por Wander Wildner, com quem o público adora. Ou mesmo na emocionável “Eu Não Consigo Ser Alegre o Tempo Inteiro”, na qual os de ouvidos mais atentos celebram a tristeza como rara virtude, turbinada por uma linha de baixo por Cristiano.

Talvez por essas situações é que Wander se diz emocionado no palco por voltar ao Rio, local onde ele praticamente lançou sua carreira solo e selo, o Fora da Lei, com a ajuda do saudoso Tom Capone, em um festival no Circo Voador de andaimes, e lá se vão vinte e tantos anos. Wander Wildner é compositor raro, o que não o impede de garimpar músicas de terceiros, umas de suas especialidades também, seja de ilustres desconhecidos, ao menos no meio do rock que o envolve, ou de fontes inusitadas. Dessa vez, saca uma versão bem pessoal para “À Palo Seco”, de Belchior, curiosamente cantada a plenos pulmões por todos no meio do salão, e ainda manda “Navegador”, de Mallu Magalhães, apropriada tão brilhantemente ao seu habitat que pode até, de agora em diante – e não é exagero - transformar o olhar sobre a obra da Sra. Camelo.

Outra a faceta a se destacar em Wander Wildner, entre tantas que se fundem de forma indissociável, é a de intérprete, e – de novo – de um modo bem pessoal. Pode acreditar que ali em cima do palco está um sujeito que coloca o coração, alma ou tudo que tenha a ver com sentimento em cada verso que profere, sem nenhum pudor de soar piegas, pouco divertido ou com a preocupação de ser/não ser levado a sério. Por isso é para acreditar que ele tenta ser bonito mas não consegue, de verdade, com o “Mantra das Possibilidades”, ou que realmente é agradecido pela invenção da lâmpada para esquecer de alguém inesquecível de um relacionamento mal resolvido, em “Thomas Edison”. São dois exemplos de sua verve sarcástica, sim, mas sem deixar de ser dramática; está no drama outra pista para se entender a carreira de Wander.

Há ausências crônicas como as de “Eu Queria Morar em Beverly Hills”, “Empregada”, “Eu Acredito em Milagres” e sobretudo “Jesus Voltará!”, quase nunca apresentada em shows, mas não é de bom tom registar queixa quando, em uma só noite, entre 24 músicas tocadas em parar, tem o hino gaúcho “Amigo Punk”, um delírio na plateia; o incrível astral que “Lugar do Caralho” implanta, de imediato; a recente, mas bem recebida “ O Último Romântico da Rua Augusta”; “Eu Tenho Uma Camiseta Escrita Eu Te Amo”, praticamente música tema de um artista, se isso existisse; e “Bebendo Vinho”, que se já virou grito de torcida nas arquibancadas mundo afora, não duvide do efeito coletivo que ela provoca. E assim Wander Wilder – sorte nossa - segue detonando o seu singular cancioneiro.

Set list completo:

1- Éter na Mente
2- No Ritmo da Vida
3- Machu Picchu
4- Rodando El Mundo
5- A Dança de Tudo
6- Mares de Cerveja
7- Numa Ilha Qualquer
8- Lugar do Caralho
9- Dani
10- Mantra das Possibilidades
11- O Sol Que Me Ilumina
12- Sandina
13- Navegador
14- Um Bom Motivo
15- O Último Romântico da Rua Augusta
16- Bebendo Vinho
17- Imagination
18- À Palo Seco
19- Com Liniker e Com Desapego
20- Amigo Punk
21- Thomas Edison
22- Eu Não Consigo Ser Alegre o Tempo Inteiro
23- Eu Tenho Uma Camiseta Escrita Eu Te Amo
Bis
24- Boas Notícias

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