O Homem Baile

No balanço do groove

Bem entrosado e com habitual vigor, Living Colour enfatiza pegada funk raiz em repertório clássico no show no Rio. Fotos: Rom Jom/Rock On Board.

O reluzente e carismático vocalista do Living Colour, Corey Glover, em noite de ótima performance vocal

O reluzente e carismático vocalista do Living Colour, Corey Glover, em noite de ótima performance vocal

O estalar de um contrabaixo diferenciado é a senha que está para começar algo incomum, ainda que a noite seja de se apreciar uma banda peculiar. A música começa e logo se percebe que a real é que se trata de uma espécie de jam session bem ensaiada em que, paradoxalmente, cada um dos músicos parece tocar em uma sintonia diferente entre eles. A guitarra funky que faz a costura melódica é espécie de emblema que, não por acaso, perduraria por toda a noite, sendo esse um dos diferenciais de um show em que – e não e de hoje – permanece a fusão de música tecnicamente bem tocada e cativante ao mesmo tempo. É assim, com a até então discreta “Funny Vibe”, que o Living Colour faz o público que enche a Sacadura 184 dançar pra valer, ontem (10/12), no Rio.

E não só com ela, porque a vibe, além de divertida, é totalmente funky, com a banda convertendo em funk rock, ou enfatizando o subgênero da música negra americana, vários dos seus números. Acontece, por exemplo, em “Bi”, em que Doug Wimbish, o tal baixista estalador citado ali em cima, dessa vez mete um estrondoso efeito de sua pedaleira; na lentinha “Flying”, uma das duas sacadas do álbum “Collideøscope”, de 2003; e até no hit “Glamour Boys”, renovada com um suingue diferente. Wimbish tem até um momento em que a banda relembra, em forma de pot-pourri, três músicas do Grandmaster Flash and the Furious Five, banda referência da música negra americana dos anos 1970/80, e da qual foi músico de gravação; pena que o público não conhece tanto assim nenhuma das três músicas.

O guitarrista Vernon Reid: insano, toca com a facilidade dos veteranos e a energia de um principiante

O guitarrista Vernon Reid: insano, toca com a facilidade dos veteranos e a energia de um principiante

O repertório ignora os álbuns mais recentes da banda, “The Chair in the Doorway”, de 2009, e “Shade”, de 2017, o que dá a apresentação a pecha de revivalista/saudosista, sendo que a música mais nova tocada em cerca de 1h40 de show tem mais de 20 anos de lançada. Avaliação relativizada quando se constata que, em um show, há outros meios de se mostrar coisas novas que não seja somente nas canções em si, como no sotaque funky impingido em várias partes da noite, já citado antes. No todo, prevalece a ênfase no álbum de estreia deles, “Vivid”, que vinha sendo tocado na íntegra (veja como foi no Circo Voador, há cinco anos), e cede meia dúzia de faixas. O que contempla não hits, por assim dizer, que incluem “Desperate People”, pedrada que inicia o show de fato, depois de um início lento com “Leave It Alone”, e a já citada “Funny Vibe”, destaque da noite. Ou seja, não há do que se lamentar, não.

Talvez do público, que, a bem da verdade, é do tipo contemplativo – e é pra se contemplar um espetáculo desses, mesmo – e só começa a cantar as músicas com a banda lá pela metade do show, em “Open Letter (to a Landlord)”. A música é a escolhida para Corey Glover mostrar exuberante forma vocal, usando e abusando de alcances mais altos e falsetes no início e o desfecho, coisa não muito comum em outros shows da banda pelo Brasil, país visitado por eles desde o Hollywood Rock de 1992. O que ilustra outra faceta do quarteto, justamente a boa forma dos músicos, individualmente, e o excelente entrosamento entre todos, sempre uma preocupação, dado o avançar da idade. Vernon Reid, 66, por exemplo, debulha a guitarra com a facilidade dos veteranos e a energia de um principiante em tudo o que é música. O que ele faz no desfecho de “Flying” – só pra citar uma – é fenomenal.

O baixista Doug Wimbish: pot-pourri com três músicas do Grandmaster Flash and the Furious Five

O baixista Doug Wimbish: pot-pourri com três músicas do Grandmaster Flash and the Furious Five

Tem solo da bateria com plus eletrônico de Will Calhoun (um pouco incomodado com as condições de palco, parece); tem hard rock com trecho convertido em reggae no final; tem bis sem sair do palco; e um arremate com o enfileiramento de hits indeléveis que faz o público – aí, sim – se acabar no meio do salão. Aí é só escolher: “Time’s Up”, quase um hardcore em meio ao arranjo mais “flat” do show como o um todo; “Love Rears Its Ugly Head”, que surpreende com uma das maiores participações do público; “Glamour Boys”, com aquele sotaque funky rock que renova a música; “Cult of Personality”, outra com clima de karaokê e com Vernon Reid esmerilhando a guitarra sem parar de um modo totalmente insano; e – ufa! – “Type”, alongada e cheia de performances instrumentais de cada um, com a tal da conversão em reggae. Alguma dúvida sobre sua cor favorita?

Com a casa ainda recebendo público, coube ao Seu Roque o show de abertura, assim como na passagem do Living Colour pelo Rio em 2019. Dessa vez com novidades, sendo a mais marcante a entrada de um segundo guitarrista, o que confere, no mínimo, mais peso ao som do grupo, focado no classic rock/novo classic rock. A outra, a inclusão de uma música inédita, “Restless Soul”, como se vê, com letras em inglês. A banda brilha mesmo é com “Verdades”, quase prog, cheia de idas e vidas, e com a já conhecida “Reflexo”. Com o tempo curto, nem precisava mandar o cover para “Are You Gonna Go My Way”, de Lenny Kravitz, que o público não conhece muito, mas serviu para mostrar a ótima performance da vocalista do Nosunnydayz, Carina Pontes, convidada para essa música.

Corey Taylor cantando junto com Doug Wimbish em um dos trechos do ótimo show do Living Colour

Corey Taylor cantando junto com Doug Wimbish em um dos trechos do ótimo show do Living Colour

Set list completo Living Colour

1- Leave It Alone
2- Desperate People
3- Ignorance Is Bliss
4- Bi
5- Ausländer
6- Never Satisfied
7- Funny Vibe
8- Sacred Ground
9- Open Letter (to a Landlord)
10- Solo bateria
11- Flying
12- White Lines (Don’t Do It) + Apache + The Message
13- Glamour Boys
14- Love Rears Its Ugly Head
15- Time’s Up
16- Cult of Personality
17- Type
18- What’s Your Favorite Color?

O batrera Will Calhoun teve o momneto solo, mas parecia incomodado com as condições de palco

O batrera Will Calhoun teve o momneto solo, mas parecia incomodado com as condições de palco

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